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"Voltarei o meu rosto contra quem consulta espíritos e contra quem procura médiuns para segui-los, prostituindo-se com eles. Eu o eliminarei do meio do seu povo."

Levítico 20:6

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-Disse-me que era curador, isto é verdade?
Não consigo encarar Jungkook. Mantenho meus olhos fixos nas pernas esticadas à frente. Entre olho apenas por um segundo. Ele também não me olha, permanece sentado à alguns metros de mim, provavelmente pensando o que poderia responder.
-Tudo o que lhe disse até agora é verdade, não menti nem uma vírgula. - confessa.
-Nunca vi um simples curador curar tão rápido as bolhas da peste. Na verdade, nunca vi ninguém ser curado da peste.
Ele suspira.
-Você já sabe o que quer perguntar Catalina. Pergunte.
-Não vou jogar as cartas tão rápido na mesa, senhor Jungkook. Se sabe o que quero perguntar, responda.
Ele enche os pulmões, juntando o máximo de oxigênio, até soltar o ar segundos depois.
-Não sou um filho de satã. - afirma.
Respiro errado, engasgando no próprio ar. Sua resposta foi tão direta que me surpreende, mesmo já esperando algo parecido.
-Sério que a resposta precisava ser tão direta?
-Isto que esta à pensar, certo? Apenas respondi.
Levanto-me, já estava à ficar muito surpreendente. Não era meu problema, não era a minha vida. Levantar e ir embora é o mais fácil.
Sacudo o vestido, tentando o deixar menos amarrotado possível, já que ainda se encontrava molhado.
Viro-me sem dizer uma palavra, estou pronta para ir, mas algo me para.
Ele me salvou. Sem pensar, ele me salvou. Tinha que fugir, mas parou e me salvou.
Minha respiração ofega, minhas mãos quase tremem só de pensar no pânico que senti. Não poderia deixa-lo assim. Volto à virar-me em sua direção.
-Conte-me tudo. Quero saber detalhe por detalhe. Decidirei se ajudo-lhe ou não.
-Eu não pedi sua ajuda, porque voluntariamente quer me ajudar?
Engulo em seco.
-Estou em dívida - confesso - Salvas-te minha vida.
Quase surge um fantasma de sorriso em seu rosto, mas logo some.
-O que você precisa saber?
-O que você precisa me contar? - retruco.
Ele contempla por uns segundos o céu, provavelmente pensando o que iria dizer.
Permaneço em pé, estava um tanto assustada e surpresa, sentar me deixaria inquieta.
-Eu sou de Drop. Tenho uma loja medicinal no centro da cidade. Sou bastante famoso em torno dos vizinhos, eles gostam de mim pois nunca falho em receitar um remédio mesmo não sendo médico, tenho apenas um vasto conhecimento da natureza.
-Até aí parece que tudo está perfeito. O que aconteceu?
-Uma morte. Um dos meus clientes morreu. Fui logo apontado como culpado, mesmo que alegasse que não o via fazia um mês, ninguém deu-me ouvidos. Por causa da Santa Inquisição, fui torturado e julgado, fizeram de tudo para que chegasse a confessar, mas como poderia confessar algo que não fiz?
Cruzo os braços. Era uma história impressionante.
-Você o matou? - pergunto sem rodeios.
Jungkook me olha surpreso, formando uma leve ruga em sua testa, estava indignado.
-Quem?
-Seu cliente.
Desta vez, ele ri sarcástico, desviando os olhos dos meus por um segundo, mas volta a encarar-me, desta vez tão profundamente que chego a querer desviar.
-Sei que não conhece-me, entendo que é a primeira vez que nos vemos, mas se achas que sou capaz de tirar a vida à alguém, prefiro que vá embora.
Dou de ombros. Por um motivo estranho na minha cabeça, eu sabia que não teria matado, mas queria ouvir isto dele.
Sento-me ao seu lado, perto o bastante para conseguir olhá-lo melhor, parecia mesmo ofendido.
-Me conte a parte que realmente você precisa contar. - peço.
-A parte que lhe interessa?
-A parte que eu desconheço. - digo.
Sua respiração fica calma, demora algum tempo, mas começa a contar-me tudo.
-Herdei os dons de minha mãe. Ela tinha o dom da cura, exatamente tudo o que tocasse, se curava em instantes. As, tão erradamente chamadas, bruxas não são servas de satã, nem tão pouco filhas dele. Muitos de nós não são hereges. Bruxas são pessoas com dons mais aguçados, que tem relação maior com a natureza. Nós servimos a natureza. Isto por muito tempo foi comum para os humanos, mas sempre tem que culpar alguém pelos próprios maus, e infelizmente estão a culpar as bruxas.
Seu olhar vagava pelo rio, como se recordasse algo.
-Devo acreditar em você? - pergunto sinceramente.
-Não tenho o porquê mentir.
Preciso assimilar as informações.
Fecho os olhos por um instante e vejo meus pais, esta lembrança, por um momento me assusta. Por que tudo parece tão doloroso?
-Eu vou te ajudar.
-Como pretende faze-lo? - suas sobrancelhas levemente arqueiam.
-Eu tenho contato com um cavaleiro.
-É alguém da sua família? - seus olhos viram para mim, parecia preocupado com algo.
O termo "família" saltita em minha cabeça. Se fosse para categorizar o noivo de Cecily em relação à mim, seria um primo distante, já o vi algumas vezes, mas Tia Bahma nunca deixou-me aproximar, talvez seja mesmo família de Cecily, mas minha não, família se categoriza muito mais que isso.
-Um conhecido. - digo.
-Um conhecido ajudaria outro conhecido? - ele esconde um sorriso, parecia caçoar de mim.
-Eu e você, somos conhecidos, conhecidos por conhecidos acabam ajudando uns aos outros. - cruzo as mãos uma na outra, estava sem graça.
-Não tenho muita coisa a perder. - ele da de ombros.

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