Meus tênis encharcados batem contra o asfalto. Encolho- -me, tentando evitar que a chuva molhe ainda mais meu corpo enquanto a sombrinha luta contra o vento. Um raio corta o céu. Ainda estou longe de casa e eu tenho certeza que não chegarei livre de um resfriado.
Um letreiro vermelho destaca-se mais à frente. Decido entrar na loja e esperar a chuva passar. Ao cruzar a porta enquanto fecho a sombrinha, sinto uma lufada reconfortante de ar quente. Há um garoto atrás do balcão do caixa. Ele tem os cabelos até os ombros. Com um aceno, ele me cumprimenta. Retribuo.
Olho ao redor. Os livros usados nas prateleiras estão bem cuidados, adiante há uma coleção de vinis e CDs. Vou até lá. Passos os dedos pelos livros enquanto sigo para o fundo da loja tentando achar algo interessante. Na mesma prateleira, encontro jogos para computadores e paro para olhá-los.
Os passos no corredor revelam a presença do garoto do caixa, que vem até mim com um sorriso. Sorrio de volta.
— Procurando por algo?
— Não exatamente – digo, dando de ombros, e continuo a passar pelos jogos.
— Se me permite indicar – ele insiste – tenho algo que talvez te agrade.
Suas mãos estendidas carregam um jogo: o nome é estranho e escrito com uma fonte que não me deixa entender as palavras. Na embalagem, há uma mulher de olhos fundos e roupas brancas. Não dou muita atenção, já que não faz muito meu estilo. Ele continua sorrindo. Percebo, então, que seus olhos negros estão arregalados e vermelhos.
— Obrigada, vou continuar olhando.
Ele dá um passo. Consigo sentir seu perfume adocicado.
— Claro. Ainda assim, você pode levar esse se quiser.
O encaro com estranheza. O sorriso dele não se desfaz nem por um instante. Seus olhos fixos nos meus. Espio para frente da loja e não há mais ninguém.
— É cortesia da casa.
A insistência dele e a postura me causam um arrepio na espinha. Olho para fora e vejo que a chuva diminuiu. Dou um sorriso sem graça, pego o jogo que ele mantém estendido, mas evito olhar para o garoto.
— Obrigada. Preciso ir agora.
Ele assente. Coloco o jogo na bolsa e passo por ele para sair da loja. Fecho a porta e, pelas vidraças, volto a olhar para ele antes de abrir a sombrinha. O garoto me encara. Seus olhos vermelhos. O sorriso plastificado.
Vou embora
Chego em casa e sou recebida por Duquesa, minha gata. Seu olhar parece repreensão pela minha ausência. Sorrio e faço um cafuné. Pouco depois, vou banheiro tomar uma ducha. Após alguns minutos de banho quente revigorante, sento diante do computador. Vago por redes sociais, entediada, quando a bolsa chama atenção. O jogo. Pego o disco, que repete a mesma estampa esquisita da embalagem, e coloco para rodar.
Na tela, surge a mensagem:
Uma vez que ela entrar, não há retorno.
DEIXE-ME ENTRAR
Ao clicar, outra mensagem aparece:
Obrigada, Amanda.
Suspiro enquanto concluo que o jogo usou meu login do Facebook sem minha autorização. De repente, a tela fica preta. Espero, mas nada acontece. Deve estar carregando, penso, quando decido levantar para preparar um chá.
Volto para o computador em seguida. A tela está piscando, como se fosse carregar a imagem. Ouço algo e aumento o volume. Como um sussurro, uma voz de mulher chega aos meus ouvidos. As palavras são estranhas, não consigo entendê-las. A tela continua piscando, mas volta a ficar escura. Suspiro e desisto. Tento encerrar o jogo, mas ele não fecha.
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Deixe-me Entrar
Mystery / ThrillerEra um dia chuvoso e Amanda decidiu parar em um sebo para se abrigar da chuva. Se ela soubesse o que aconteceria depois, teria caminhado direto para casa. Conto escrito para a antologia Creepypastas da Editora Lendari.