Ele acredita que vou o matar. Agora está imóvel e em silêncio, sentado a minha frente, na sala de visitas da prisão de Sierra Chica, uma cidade de três mil habitantes. A luz do sol que entra por uma janela ilumina seus olhos celestes. Ele me olha fixamente, quase sem piscar, não existem guardas a vista e é muito tarde para voltar atrás. Eu também estou imóvel e em silêncio, na mesa esta uma Bíblia amarelada que lê em suas noites de insônia mas isso ele só vai me dizer depois pois agora enquanto observa minhas mãos desconfia que ao menor descuido - por mais imperceptível que seja - vou enfiar um punhal afiado em suas costas ou dar um tiro a queima roupa nele e ir embora sem nenhuma culpa pela mesma porta que entrei e tudo estaria acabado. Nem sequer teria tempo de pedir seu último desejo, aquele que se da as pessoas no pelotão de fuzilamento: sentir o cheiro de um prato de comida, fumar um cigarro, observar uma foto da família ou gritar de raiva.
- É assim que os covardes matam.
É isso que Carlos Robledo Puch me diz enquanto desmonta minha caneta, ele a move como um pêndulo porque acha que eu substituí a tinta por veneno liquido. "Igual ao que Claudio usou para matar seu irmão, o rei, pai do príncipe Hamlet da Dinamarca" cita o maior assassino da historia criminal da Argentina, é citando Shakespear que ele deixar cair a ultima gota de tinta em uma folha de papel. Logo ele se aproxima de mim; quer me colocar contra a parede para me revistar, ao lado de uma cruz de madeira entalhada a mão e de um calendário de um açougue que tem "Jesus te ama e está com você" escrito. Robledo Puch acha que eu consegui passar a segurança máxima da prisão com uma pistola na cintura.
Eu mostro minha bolsa para tranquiliza-lo: só tenho papéis, algumas roupas e um gravador. Não sou seu carrasco, eu lembro a ele; sou um jornalista que quer escutar sua história, essa simples explicação faz com que ele mude de opinião. O homem qualificado pela ciência como psicopata cruel, perverso e desalmado não me olha fixamente mais, agora sorri e coça a cabeça careca enquanto anda desajeitado ao redor da pequena sala, vai de uma ponta a outra com as mão atrás das costas e depois de alguns segundo pede desculpa e me abraça:
- Pensei que você fosse um impostor ou alguém contratado pra me eliminar a sangue frio. Está destinado a ser a pessoa que mais conhece Carlos Robledo Puch, de agora em diante vou te considerar um amigo para a vida toda.
Isso é dito pelo homem que entre 15 de março de 1971 e 3 de fevereiro de 1972 matou a tiros onze pessoas pelas costas ou enquanto dormiam, matava aquele que cruzasse seu caminho "Que conste que sempre matei pelas costas" pediu para o juiz do caso, Victor Sasson. Não costumava deixar testemunhas dos roubos que cometia com dois cúmplices, está preso desde então, tinha 19 anos e um rosto angelical, o chamavam de Anjo Negro.
***
Conheci Carlos Robledo Puch na manha da sexta feira de 18 de julho de 2008 antes desse dia ele havia negado todos os meus insistentes pedidos de ter um entrevista com ele, sua resposta sempre era a mesma "não quero nada com os jornalistas". Havia provas de sobra que demonstravam seu ódio pela impressa, um dia durante uma visita da mídia e das autoridades penitenciarias pelos pavilhões da cadeia um funcionário perguntou ao preso mas famoso daquela prisão se ele queria falar com os jornalistas, Carlos respondeu:
- Odeio os jornalistas porque por culpa deles minha mãe tentou suicídio, eles a destruíram.
- Se você mudar de ideia me avise. - Propôs o funcionário.
- Espera, espera, eu tive um ideia! - Exclamou Robledo - Vou falar com o jornalista que tiver os culhões para fazer uma coisa que sempre me obrigaram a fazer...
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𝙾 𝙰𝚗𝚓𝚘 𝙽𝚎𝚐𝚛𝚘 (𝚃𝚛𝚊𝚍𝚞çã𝚘)
Saggistica𝙽𝚞𝚗𝚌𝚊 𝚞𝚖 𝚌𝚊𝚜𝚘 𝚌𝚛𝚒𝚖𝚒𝚗𝚊𝚕 𝚌𝚘𝚖𝚘𝚟𝚎𝚞 𝚝𝚊𝚗𝚝𝚘 𝚊 𝚜𝚘𝚌𝚒𝚎𝚍𝚊𝚍𝚎 𝚊𝚛𝚐𝚎𝚗𝚝𝚒𝚗𝚊. 𝙳𝚞𝚛𝚊𝚗𝚝𝚎 𝚟á𝚛𝚒𝚘𝚜 𝚍𝚒𝚊𝚜 𝚝𝚘𝚍𝚊𝚜 𝚊𝚜 𝚊𝚝𝚒𝚟𝚒𝚍𝚊𝚍𝚎𝚜 𝚙𝚘𝚕í𝚝𝚒𝚌𝚊𝚜, 𝚎𝚜𝚙𝚘𝚛𝚝𝚒𝚟𝚊𝚜 𝚎 𝚊𝚛𝚝í𝚜𝚝𝚒𝚌𝚊𝚜 𝚙...