MIGUEL

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  Nunca pedalei tão rápido quanto naquela tarde, quando vi Catarina se aproximando quase tive um colapso, não faço ideia se ela conseguiu ver meu rosto e me reconhecer, talvez eu tenha estragado tudo na minha primeira semana no cargo. Depois do susto fiquei me perguntando se deveria arriscar ir nessa festa de halloween, mas obviamente era importante que eu fosse, fui contratado para vigiar e proteger a princesinha, não importava onde e sob quais circunstâncias fossem. Mas eu precisava de uma fantasia boa o suficiente para evitar a atenção e para me disfarçar ao mesmo tempo, mas tinha um problema, eu não tinha dinheiro sobrando para alugar nem um chapéu de pirata sequer. Enquanto desabafava meu problema idiota com a minha vó ela deu a ideia de eu ir fantasiado de motoqueiro. Que motoqueiro? não faço ideia, mas era o jeito. Peguei uma camisa branca que eu tinha no armário, a jaqueta de couro que meu avô não tirava do corpo quando ainda era vivo - de acordo com a minha vó - e uma calça preta que eu usava no dia a dia mesmo. Quando me olhei no espelho ainda estava muito "Miguel", então peguei uma bandana e amarrei na cabeça e por precaução coloquei um óculos escuro, eu só precisava ficar assim a festa inteira e tudo estaria sob controle.
  Quando estacionei minha bicicleta na rua ao lado da boate, cogitei a hipótese de desistir de vigiar Catarina e voltar para casa, o som ecoava a rua inteira e muitas pessoas entravam no local, e nunca fui uma pessoa adepta a grandes festas e bagunça. Assim que entrei um fotógrafo já me puxou para tirar foto no mural da festa, está aí mais uma coisa que eu odiava, e antes mesmo de eu me opor ele já estava me posicionando e batendo a foto. Fiquei uns dez minutos procurando Catarina, a boate era imensa e tinha muita gente dançando e gritando por todos os lados. Por sorte ninguém veio falar comigo, afinal ninguém nem me conhecia e minha fantasia cooperou para isso, a maioria dos meus colegas do supletivo já tinham família e por isso nem mesmo tinham sido convidados para a festa. Decidi subir para o segundo andar, talvez a princesinha estivesse lá e na melhor das hipóteses eu poderia encontrá-la mais facilmente olhando de cima. Ela não estava lá em cima, mas quando me apoiei na grade e busquei por ela com os olhos a vi sentada no bar conversando com algumas pessoas. Eu juro que tentei evitar reparar em sua aparência, mas caramba, ela estava linda naquele vestido vermelho e chamativo, sem contar em seus cabelos que pareciam coloridos com as luzes refletidas nele. Foco, Miguel. Eu só precisava ficar ali, quietinho, comendo e vigiando a... eu não fazia ideia de como se chamava aquela personagem da qual ela estava vestida, mas enfim, só precisava manter meus olhos nela, o que definitivamente não seria um sacrifício. Já tinha perdido as contas de quantas vezes alguém tinha me puxado e pedido para dançar, mas permaneci no meu posto apenas fazendo o que mais gostava de fazer, comendo e observando. Olhei o relógio por baixo da jaqueta e já eram meia noite. Será que aqueles jovens não tinham hora para voltar para casa? Eu estava exausto, mas Catarina estava no meio da pista dançando com um cara fantasiado de drácula ou seja lá o que aquilo fosse.
-Ei, motoqueiro! _Ouvi alguém me chamar, parando do meu lado. -Pelo visto você não sabe aproveitar uma boa festa!
Quando olhei para o lado e reconheci a amiga de Catarina vestida de cigana, ou sei lá o que, pensei em dar as costas e correr dali.
-É... eu não sou muito fã de festas! _Disse, evitando me aproximar demais.
-E o que está fazendo em uma?
-Só tentando me enturmar um pouco... _Menti.
-Eu poderia te ajudar com isso, mas de óculos escuros fica difícil que as pessoas te reconheçam!
-Faz parte da fantasia. _Enquanto gritava para que ela me escutasse, dei uma olhada na pista e Catarina não estava mais lá.
-Podemos descer e então eu te apresen...
-Desculpa, eu preciso ir. _Gritei, dando-lhe um breve sorriso e saindo.
-Okay, cinderela! _Ouvi a garota gritar.
Onde diabos a madame tinha se metido?
Procurei em todo canto daquela boate e nada da garota aparecer, imaginei que tivesse finalmente se cansado e ido embora, então pensei em fazer o mesmo. Assim que sai da boate foi como se estivesse no céu, mas suspeitava de que havia perdido metade da audição naquelas horas em que estive lá dentro. A rua em que tinha deixado minha bicicleta estava mal iluminada mas percebi que tinha alguém no fim dela, a pessoa parecia estar murmurando alguma coisa, e quando fui chegando mais perto da bicicleta notei que estava acompanhada.
-Eu prexiso voltar, não sei quem é você... _Ouvi uma voz feminina falar. -Me solta, está me majucando!
Apesar das palavras saírem emboladas, fazendo eu me dar conta de que a pessoa estava bêbada, eu consegui entender o que ela dizia e estava claro que estava em uma situação nada agradável.
-Você não devia estar andando por aí sozinha, agora vai me dizer que não quer...
-Ela não está sozinha! _Me ouvi dizer, interrompendo a voz masculina e me aproximando dos dois. 
Ele estava pressionando ela contra a parede do beco, e eu não conseguia ver o rosto de nenhum dos dois.
-Não se mete, parceiro!
-Deixa a moça em paz! _Ordenei.
Foi aí que o homem se virou e me deu livre acesso aos rostos de ambos. Catarina. Cacete.
-O que você vai fazer? _O cara disse, e foi aí que percebi que ele estava se aproximando.
-Se você for embora agora eu não farei nada.
-É, mas eu não pretendo sair daqui passando vontade! _Ele disse, e se virou segurando a garota pela cintura.
-Me solta! _Ela disse, desnorteada.
Ao ver aquela cena senti o meu sangue subir até a cabeça e meu coração acelerar imediatamente e quando dei por mim estava puxando o cara e socando seu rosto. Ouvi Catarina dar um grito assustado, mas quando ia olhar para ela senti a mão do imbecil se chocar contra o meu rosto de volta. Um pouco tonto eu passei os olhos pelo chão e vi um tijolo quebrado, era aquilo ou íamos nos bater até alguém acabar morto, então sem pensar muito peguei o tijolo e levantei. Quando o cara ia avançar para cima de mim outra vez eu estendi a mão e bati com os resto do que era um tijolo na cabeça dele. Vi o corpo dele estendido no chão, e antes de voltar minha atenção à Catarina, fui atrás dos meu óculos escuro que estava caído.
-Você o matou? _Ouvi a voz bêbada e arrastada dela ecoar.
-E-eu não sei... _Murmurei, me aproximando dela, que tinha a maquiagem borrada e o zíper do macacão aberto até a altura do umbigo.
-Espero que sim. _Falou, enquanto tremia.
-Eu espero que não... _Falei, preocupado. -Está frio, é melhor fechar a roupa... _Disse, evitando olhar. 
-O traste quebrou meu... como é mesmo o nome disso? _Ela perguntou, apontando para o lugar onde deveria estar o zíper.
-Zíper?!
-Isso!
-Tudo bem... fique com a minha jaqueta. _Falei, tirando a jaqueta e entregando para ela, que a vestiu em seguida. -Acho melhor que você vá para casa.
Ela resmungou alguma coisa que não consegui entender e depois saiu andando, embolando as pernas.
-Vai voltar para a festa depois do que aconteceu aqui? _Perguntei, em um tom excessivamente indignado.
Ela bufou.
-Você vai me levar para casa em sua moto, motoqueiro herói?!
-O motoqueiro aqui anda de bicicleta, mas eu posso chamar um táxi pra você.
-Você tem que cuidar desse machucado no seu rosto! _Ela disse, mudando completamente de assunto e estendendo o braço em direção aos meu óculos.
Rapidamente segurei a mão dela a impedindo.
-Vamos, tem um ponto de táxi bem ali na frente.
Ajudando-a a não tropeçar nas próprias pernas eu a acompanhei até o táxi e ajudei ela a entrar no carro. Depois de dar o endereço da casa de Catarina, eu peguei a placa do táxi antes que ele partisse e corri até a minha bicicleta, obviamente não deixaria uma garota bêbada seguir sozinha em um táxi de madrugada. Observei de longe quando uma mulher que aparentava ter uns 50 anos apareceu correndo no portão e ajudou Catarina a sair do táxi, ela falou alguma coisa e parecia brava mas de onde eu estava não conseguia ouvir nada.

Aquela jaqueta de couroOnde histórias criam vida. Descubra agora