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Música: Arabella, Arctic Monkeys

"Arabella's got some interstellar-gator skin bootsAnd a helter skelter around her little finger and I ride it endlesslyShe's got a Barbarella silver swimsuitAnd when she needs to shelter from realityShe takes a dip in my daydreams"

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"Arabella's got some interstellar-gator skin boots
And a helter skelter around her little finger and I ride it endlessly
She's got a Barbarella silver swimsuit
And when she needs to shelter from reality
She takes a dip in my daydreams"

(Arctic Mokeys)

Por mclarah e VitoriaKreve

Ainda era cedo quando foi levado para o mesmo pub no final da esquina, posicionado perigosamente a dois quarteirões da faculdade, o que era quase um convite para matar aula, ainda mais se fosse de Cálculo I. Jungkook não precisava frequentar nenhuma lição completa para ter certeza de que reprovaria no final do período. Todos reprovavam em Cálculo pelo menos uma vez, era a sua desculpa para fugir das aulas que detestava no curso que não escolheu para si. Só o relance desses pensamentos já o imergiam em um túnel de devaneios indesejados, por isso, ele balança a cabeça, empurrando qualquer voz intrusa em sua cabeça para longe.

Talvez o gosto abrasivo do uísque ao descer rasgando sua garganta trouxesse algum conforto, como um companheiro que o distrai de sua vida miserável – repleta de imposições que apontavam para um futuro o qual não escolhera. Cursava a faculdade que não queria. Morava na cidade que detestava. No entanto, ele via certa diversão sendo o clássico menino rebelde.

A jaqueta de couro que pesa sobre seus ombros poderia ser capaz de enganar aqueles que o viram empurrando a porta maciça com tanta confiança minutos antes, prestes a adentrar o local, pronto para encontrar a mesma declaração simplória e rústica do Kings's Pub, mas eles não deviam se deixar enganar. Jungkook usava dos artefatos que lhe eram disponíveis para disfarçar as inseguranças que por vezes viajavam através de seus olhos – tão sucintas quanto estrelas cadentes riscando as íris negras –, das botas de combate e seu som imponente ao bater nas tábuas soltas do bar para encobrir os vacilos em sua voz. Haviam dias piores que outros.

Passando pelas poucas pessoas presentes, ele rolou preguiçosamente sua visão pelo ambiente conhecido. Pendurados na parede de madeira escura estavam alguns vinis antigos que não tocavam mais, posters esbranquiçados de bandas inglesas, Beatles e Rollings Stones, disputando o espaço minguado com The Who, logo ao lado do alvo para dardos pouco usado. Na parede oposta, as garrafas dispostas de maneira desordenada são um banquete cheio de opções alcóolicas para o seu início de noite, contudo, antes mesmo que despenque sobre a banqueta vaga, Mark, acostumado por acolhê-lo em seu bar, aproxima-se com sua dose costumeira de Jack Daniels, duas pedras de gelo e um breve cumprimento de cabeça.

O espaço era estreito de tal forma que o cheiro de nicotina tornava-se ainda mais perceptível após ocupar uma das baquetas de frente para o balcão extenso, demonstrando o evidente desrespeito às leis municipais sobre a exigida "área de fumantes". No entanto, ninguém dava a mínima. Jungkook também não. E, ainda que fosse consciente sobre e condenasse seu hábito de queimar frustrações com tabaco, tateou o bolso interno à procura da pequena caixa, tirando de lá o tubo cilíndrico e descansando-o nos lábios pelo breve tempo em que Mark levou para lhe oferecer a chama do isqueiro.

Anuviado na fumaça da própria tragada, ele notou a figura jovem sobre o palco apertado acoplado nos fundos, banhada pelo foco amarelado que rebatia em seus cabelos escuros, parte deles caídos estrategicamente ao esconder metade de seu rosto, ao passo em que sua coluna curvava-se levemente para frente, sobre o violão apoiado na coxa direita, exposta pelo vestido claro. Observou-a com curiosidade e, ainda que sua cabeça estivesse cheia demais para em um primeiro momento prestar a devida atenção na melodia calma que efluía dos alto-falantes – apostando não passar de mais uma playlist qualquer de músicas acústicas –, agora ele tinha a dona da voz suave sob o alcance dos seus olhos.

Are we all lost stars?, ela cantava no microfone, um pouco nervosa por ser sua primeira apresentação naquele pub e, ao mesmo tempo, um pouco desapontada pelo local consideravelmente vazio. Esperava, ao menos, que a véspera do feriado lhe rendesse um cachê mais alto. Apesar disso, escolheu não desistir. Os universitários ainda devem estar presos às aulas, pensou. E caso tudo ocorresse como o planejado, em breve eles chegariam aos montes e abarrotariam o estabelecimento, incentivando-a a dar início às músicas animadas que havia selecionado.

Por ora, não estava de todo ruim, afinal ela tinha um par de olhos sobre si. O garoto sentado no balcão estava distante, entretanto parecia apreciar sua música cantada com alma e nervosia. A fim de ganhar um pouco mais de confiança, ela relembrou o conselho de seu professor de canto o qual há muitos anos lhe ensinara: ter um ponto fixo. "A primeira coisa que você ver: concentre-se e mantenha sua atenção ali. Não deixe que seus olhos pareçam perdidos, pois se eles estiverem, você também estará." Sua voz grossa ricocheteia no fundo de sua cabeça. Ela só não entendia o porquê dos seus olhos terem escolhido ele. Porém, estranhamente ela não se sentia constrangida, sorrindo minimamente ao notar que seus lábios se moviam em conjunto com os seus, silabando como se conhece a canção.

Just a boy caught up in dreams and fantasies, Jungkook move os lábios à medida que a letra avança, recepcionando a música de forma tão melancólica quanto ela é de fato e apoia os cotovelos sobre a bancada desgastada. Entre uma estrofe e outra, sorve um pouco mais do líquido envelhecido, enquanto finge gostar do sabor amargo quando, na verdade, o que lhe atrai é sua capacidade de anestesiar minimamente sua realidade desagradável. Havia chegado ao ponto em que seus únicos momentos de descanso limitavam-se em quando sua cabeça encontrava o travesseiro ou quando estava aqui, parado com uma bebida em mãos das seis às sete da noite.

"Mark, quem é?" Pergunta, desviando a cabeça discretamente em direção à garota. Ele estava intrigado pelos olhares lançados para si, que, para Jungkook, eram o suficiente para provar que ela estava interessada nele. Podia não ser verdade, mas ele não tinha como saber, sabia apenas daquilo que seus sentidos não o enganavam.

"Não lembro o nome. É novata... Se hoje for bom, ela deve voltar nas próximas semanas." O barman responde enquanto servia aqueles que chegam e se acomodam à sua frente.

"Onde você está indo?" Mark dispara ao vê-lo saltar da banqueta da qual nunca saía.

"Tirar a minha dúvida." Jungkook caminha com passos decididos, levado pela combustão de uma nova possibilidade. Euforia branda resumida em: um toque de seus dedos frios em sua pele quente, um par de lindos olhos castanhos voltados para si, encarando-o com surpresa seguida de vergonha expressa nas bochechas coradas. "Bela escolha de música, você tem muito talento. Prazer, Jungkook." Ele estica a mão, observando-a desgrudar os dedos vagarosamente do seu instrumento para estendê-los, por fim, até ele.

A garota sorri ao percebê-lo tropeçar em uma combinação apressada de palavras que procuravam demonstrar uma confiança que, na verdade, Jungkook não possuía. Porém, tal fato não chegava a incomodá-lo, afinal, estava mais acostumado em parecer do que realmente ser.

Os olhos pontilhados por interrogações desafiaram os de Jeon, um pequeno confronto ao fitar suas pupilas diluídas na negritude das íris, as quais vacilaram momentaneamente com o encontro. Diante dela, ele se sentiu impotente, incapaz de disfarçar suas inseguranças, uma prova de que parecer não era o suficiente. Não para ela.

"Arabella."

Arabella •  Jeon JungKookOnde histórias criam vida. Descubra agora