O DECIMO NONO DIA

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Nessa manhã, depois de fazerem algumas observações relativas à merda que os súditosestavam produzindo para efeitos lúbricos, os amigos decidiram que a sociedadeexperimentasse uma coisa de que Duclos falara em suas narrações: refiro-me a supressão dopão e da sopa de todas as mesas, a exceção da dos Senhores. Estes dois artigos foramretirados e substituídos por duas vezes a quantidade anterior de aves de caça. Esperavamnotar certa melhoria, e em menos de uma semana percebeu-se realmente uma diferençaessencial nos excrementos da comunidade: eram mais macios, saborosos, dissolviam-se maisdepressa, tinham um paladar infinitamente mais sutil, e os amigos descobriram que o conselhode d'Aucourt a Duelos era o de um consumado libertino integralmente penetrado na apreciaçãodessas questões. Foi no entanto observado que a nova dieta podia ter certo efeito nos hálitos:"Bem, e que importância tem isso"? perguntou Curval a quem o Duque dirigira a objeção;"é errado pensar em afirmar que, a fim de dar prazer, a boca das mulheres ou das criançasdeve ser absolutamente limpa e cheirar bem. Pondo de lado toda idiossincrasia durante ummomento, admito de boa vontade que quem exige hálitos fedidos e bocas nojentas é apenasmovido por depravação, mas é igualmente necessário que concordem comigo quando afirmoque uma boca inteiramente desprovida de odor não proporciona o menor prazer quando sebeija. Deve haver sempre uma espécie de condimento na coisa, algum sabor, pois casocontrário, onde está a alegria se não for avivada? A alegria está dormindo, afirmo, e só acordacom um pouco de imundície. Por muito limpa que a boca esteja, o amante que a chupa fazcertamente uma coisa suja, e não há dúvida alguma em sua mente de que é essa própriasujeira que lhe agrada. Basta dar um pouco mais de força a esse impulso, e logo se quereráque essa boca seja impura. Se não cheirar como um cadáver podre, paciência, o sabor sedesenvolverá, mas quando tem apenas o sabor de leite mel ou de infância, isso, garanto, éinsuportável. E por isso a dieta a que os vamos sujeitar não leva, na pior das hipóteses, emabsoluto a corrupção, mas apenas a uma certa alteração, e isso é tudo de que se necessita".As inspeções da manhã nada revelaram... os jovens vigiavam estritamente sua conduta.Ninguém pediu licença para ir ao toalete, e a companhia sentou-se a mesa. Adelaide, uma dascriadas na refeição, mandada pelo bispo peidar numa taça de champagne, e não oconseguindo fazer, foi imediatamente inscrita no livro fatal por seu insensível marido que,desde o princípio da semana, se esforçava continuamente por encontrá-la em falta.Depois foi servido o café; foi distribuído por Cupidon, Giton, Michette e Sophie. O Duquefodeu as coxas de Sophie, e enquanto o fazia, mandou-a cagar em sua mão; o nobre pegou nobonito pacote e esfregou-se todo no rosto com o mesmo, o Bispo fez precisamente a mesmacoisa com Giton e Curval com Michette, mas quanto a Durcet, enfiou seu pequeno dispositivona boca de Cupidon ao mesmo tempo que o encantador menino mastigava seu monte. Nãoobstante, não houve descargas, e depois de despertados de sua sesta, os Senhores foramouvir Duclos."Um homem a quem nunca tínhamos visto antes, disse a amável puta, foi a minha casapropor uma cerimônia um tanto invulgar: desejava ser amarrado a um dos lados de umescadote; amarramos suas coxas e cintura ao terceiro degrau e, levantando suas mãos acimada cabeça, prendemos seus pulsos ao último degrau. Estava nu. Uma vez firmementeamarrado, quis ser exposto a surra mais feroz, agredido com o cabo do chicote, quando aponta das cordas se gastou. Estava nu, repito, não havia necessidade de lhe pôr um dedo,nem tampouco se tocava a si próprio, mas depois de receber um tratamento selvagem, seuinstrumento monstruoso ergueu-se como um foguete, podia ver-se oscilar entre os degraus daescada como um pêndulo, e logo após, lança seu esperma no meio do quarto. Foidesamarrado, pagou, e foi tudo.No dia seguinte mandou-nos um de seus amigos cujas nádegas e coxas, membro etestículos, tinham que ser picados com uma agulha de ouro. Só depois de coberto de sanguedescarregava. Eu própria desincumbi-me da tarefa, e como constantemente me gritava queenfiasse mais fundo, quase tive de enterrar a agulha em sua glande para que seu espermasalpicasse minha mão. Quando o libertou, lançou seu rosto contra o meu, chupouprodigiosamente minha boca, e ficou por aí.Um terceiro — e este também conhecido de seus dois predecessores — ordenou-me quemalhasse seu corpo inteiro com urtigas. Logo o fiz escorrer sangue, olhou-se no espelho, e sódepois de ver seu corpo reduzido a uma ruína vermelha é que deixou escapar seu esperma,sem tocar em nada, acariciar nada, sem nada mais exigir de mim.Esses excessos distraíam-me imenso, tinha um deleite secreto em participar dosmesmos; e todos meus estranhos clientes ficavam igualmente encantados comigo. Foi porocasião destas três cenas que um nobre dinamarquês, que me foi enviado em busca deprazeres de um caráter muito diferente, que outras pessoas foram designadas para descrever,cometeu a imprudência de chegar a meu estabelecimento com dez mil francos em brilhantes,igual quantia em pedras de outro tipo, e cinco mil luíses em dinheiro. 0 prêmio era grandedemais para eu o deixar escapar; entre .as duas, Lucille e eu conseguimos roubar odinamarquês até seu último tostão. Pensou em apresentar queixa, mas como eu pagavagenerosamente a policia, e nessa época se podia fazer o que se quisesse com ouro, ocavalheiro recebeu ordens para ficar quieto e calado, e seus pertences tornaram-se meus, ouantes, sua maior parte, pois, para me garantir com o título do tesouro, tive de entregaralgumas pedras preciosas aos agentes da lei. Nunca cometi um roubo, e peço que atentempara este fato interessante, sem encontrar um golpe de boa fortuna no dia seguinte; esteúltimo maná era um novo cliente, mas um daqueles clientes diários que se pode considerarverdadeiramente o pão e a manteiga dos bordéis.Este indivíduo era um velho cortesão que, cansado das homenagens queincessantemente recebia nos palácios dos reis, gostava de visitar as putas e gozar de umamudança de papéis. Quis começar por mim; muito bem, respondi, e começamos sem maisconversa. Mandei-o recitar suas lições e pequenas orações, e sempre que cometia erros,ajoelhava-se e recebia nos nós dos dedos ou as vezes no traseiro, vigorosos golpes aplicadoscom uma palmatória semelhante a que os professores usam nas escolas. Era tambémobrigação minha estar alerta a quaisquer sinais de emoção; uma vez aceso o fogo, eu pegavaem seu pau e agitava-o habilmente, ralhando ao mesmo tempo com o velho libertino,chamando-lhe devasso, miserável, afronta a Sua Majestade, e outros nomes infantis que lheprovocavam uma descarga muito voluptuosa. Esta cerimônia era executada cinco vezes porsemana, nas mesmas condições, em meu estabelecimento, mas sempre com mulheresdiferentes e bem instruídas, e por este serviço eu recebia um estipêndio de vinte e cinco luísespor mês. Conhecia tantas mulheres em Paris que não me era difícil prometerlhe o que queria ecumprir minha palavra; tive esse encantador aluno em minha casa durante uma década, no finalda qual ele decidiu fazer as malas e prosseguir seus estudos no inferno.Contudo, eu também envelhecia com o decorrer dos anos, e embora tivesse o gênero derosto que conserva sua beleza, comecei a observar que meus visitantes eram cada vez maishomens que surgiam por capricho ou acidente. Tinha ainda alguns admiradores fiéis econstantes aos trinta e seis anos, e o resto das aventuras em que participei pertence aoperíodo entre essa época e os meus quarenta anos.Embora com trinta e seis anos, como disse, o libertino, cuja mania vou relatar paraencerrar a sessão de hoje, não queria pensar em mais ninguém. Era um abade de sessentaanos, ou coisa parecida, eu só recebia cavalheiros de uma certa idade e todas as mulheresque queiram ver a fortuna em nosso ramo acharão sem dúvida conveniente impor as mesmasregras banindo a juventude irresponsável de suas casas. O santo homem chega, e assim queestamos a sós, pede para ver minha bunda."Ah, sim, eis a bunda mais bonita do mundo", diz com admiração. "Mas infelizmente, nãoé esse o aparelho que me dará a esmola que tenciono consumir. Tome, segure", diz,colocando suas nádegas em minhas mãos, "é desta fonte que surgem todas as coisas boas...Tenha a gentileza de me ajudar a cagar".Vou buscar um vaso de porcelana e coloco-o em meus joelhos, o abade recua para pertode mim, faz força, comprimo seu ânus, abroo, e, em resumo, agito-o de todas as maneirasque me parecem apressar sua evacuação. Esta ocorre, um monte enorme enche o vaso,ofereço-o a seu autor, ele aceita, precipita-se sobre o mesmo, devora-o e descarrega quinzeminutos depois da flagelação mais violenta que aplico ao mesmo traseiro que pouco antes pôsum ovo tão esplêndido para o seu almoço. Engoliu tudo; calculara tão bem a situação que seuesperma só surgiu depois de engolida a última pitada. Enquanto brando meu chicote, excito-ocom comentários como: "Bem, então, seu malandro, que é isso"? e "Ora aqui está umcamarada asqueroso, você é realmente capaz de comer merda assim"? e "Eu ensino você,seu engraçadinho filho da puta, a fazer coisas desagradáveis como essa"!E foi através de ações e palavras destas que o libertino alcançou o clímax da alegria".Nesse ponto, Curval resolveu fazer a companhia uma demonstração, espécie de aperitivoda ceia, daquilo que Duclos descrevera por palavras. Chamou Fanchon, esta extraiu um poucode merda do Presidente, e o libertino devorou-a enquanto a velha bruxa o castigava com todaa força de seu braço magro mas vigoroso. Tendo essa exibição lúbrica inspirado seusconfrades, começaram caçando merda onde quer que esta se encontrasse, o então Curval,que não descarregara, misturou o resto de seu monte com o de Thérese, a quem fizeraexcretar sem muita conversa.O Bispo, acostumado a fazer uso dos deleites de seu irmão. fez a mesma coisa comDuelos, o Duque com Marie, o pequeno Durcet com Louison. Ela atroz, ora, até inconcebívelempregar tais horrores velhos e decrépitos quando tinham ao seu alcance e prontas a primeirachamada criaturas tão bonitas; mas, é coisa bem sabida, a saciedade nasce nos braços daabundância, e nos píncaros dos deleites voluptuosos se sente um prazer mais apurado nostormentos.Terminadas estas habilidades sujas, e tendo os eventos custado apenas uma descarga, efoi o Bispo quem a produziu, os amigos foram para a mesa. Estando envolvidos numa série deatividades indecentes, acharam melhor não trocar de cavalos no meio do percurso, e para asorgias quiseram apenas as quatro velhas duenhas e as quatro narradoras; todos os restantesforam despachados para a cama. Suas Senhorias disseram tantas coisas, fizeram tantasmais, que os quatro gozaram como gêiseres, e nosso quarteto libertino só se recolheu depoisde vencido pelo álcool e pela exaustão.

Os 120 Dias de Sodoma ou a Escola da LibertinagemOnde histórias criam vida. Descubra agora