must have been the wind

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Eu havia acabado de tomar banho e já me encontrava na cama. meu corpo relaxado depois da água quente exalava leite e mel; um cheiro já familiar que era proveniente dos sabonetes que minha avó me dava de presente todas as vezes que ia visitá-la em sua cidade natal.

Sentia saudades dela, das lembranças que tinha criado naquela cidade e de toda a minha família em si. A faculdade estava cobrando de mim bem mais do que eu esperava e agora já não tinha mais tanto tempo para vê-los frequentemente.

Esse tipo de pensamento tomava de conta de mim na maior parte do meu tempo livre, contudo naquele momento era quase impossível; o dia já havia sido suficientemente desgastante. O calor das cobertas era tão reconfortante que minhas pálpebras se fecharam sem que eu percebesse; o sono logo viria.

Meu quarto e minha mente permaneceram em silêncio por um bom tempo até que ouvi o som de algo se quebrando. abri os olhos instantaneamente, assustado. O barulho parecia ser vidro se despedaçando, mas não vinha do meu apartamento, então achei que era apenas minha mente exausta me pregando peças depois daquele longo dia, talvez já estivesse até sonhando. Porém o som se repetiu e dessa vez acompanhado de um grito choroso, aturdido e abafado. Em reflexo ao espanto que tive novamente, me sentei na cama.

Na verdade, não era a primeira vez que escutava esse tipo de barulho; todas as vezes eu tinha sobressaltos. Entretanto era a primeira vez que eu o escutava de dentro do meu quarto e finalmente havia identificado a sua origem: o apartamento acima do meu.

Com aquilo, qualquer vestígio de sono havia ido embora. puxei os lençóis para o lado, levantei da cama e fui à cozinha beber água para me acalmar. Voltei ao quarto ainda com o copo na mão, bebericando o líquido. Deixei ele em cima do criado-mudo e sentei ali no chão mesmo. Estava muito preocupado para simplesmente ir dormir.

Havia algo muito suspeito acontecendo naquele ambiente acima de mim, eu sabia disso. Mas eu deveria fazer algo sobre aquilo?

Cresci com os mais velhos dizendo que nunca deveria me envolver em problemas e assuntos alheios, que esse tipo de coisa não cabia a mim se intrometer, além de que a própria pessoa poderia se sentir incomodada com um suposta intervenção.

Eu não queria me intrometer porque eu não tinha conhecimento sobre todos os fatos. Eu podia muito bem estar interpretando as coisas erradas.

Deitei no concreto frio.

Mas como eu poderia ficar ali parado quando algo preocupante poderia estar acontecendo bem ali, pertinho de mim?, era o que se passava pela minha cabeça naquele instante.

"Seguir minha intuição ou educação?"

Puxei meus fios de cabelo urrando, frustado. Em uma situação como aquela eu me sentia realmente sem saber o que fazer, encurralado.

Por mais que eu quisesse agir, ainda estava um tanto apavorado com aqueles sons atormentadores de todas as noites e eu não tinha total certeza sobre o que se tratava. talvez se eu fosse ver o que era e poderia me meter em problema.

Tínhamos ali claramente um conflito entre minha vontade (id) e meu instinto repressor (superego). Midam, meu amigo estudante de psicologia, havia me explicado sobre isso um dia desses. Era o que Freud nomearia como angústia, explicava bem aquele meu aperto no meu peito.

Se eu fosse listar todos os "contras" de fazer algo sobre aquela situação seriam inúmeros, os "prós" estariam em grande desvantagem, então apenas resolvi por calar meus pensamentos racionais e seguir o impulso do meu ego. Eu queria tentar ao menos fazer uma coisa certa em meio a tantos erros da minha vida. queria ter coragem uma única vez.

Levantei em busca do meu moletom. coloquei-o por cima do meu pijama e cacei a chave do meu apartamento. Assim que a encontrei, calcei os chinelos e saí trancando a porta. respirei bem fundo antes de seguir para o andar de cima. Coloquei as mãos no bolso do moletom para enfim iniciar os passos.

apartment above mine • dodamOnde histórias criam vida. Descubra agora