"Você renuncia o demônio?".
"Renuncio".
"Crês no plano divino, e no mistério da santíssima Trindade?".
"Creio".
"Aceitas a conduta Cristã, e promete segui-la?".
"Aceito".
"Então vá, e não peques mais".
Terminado o confessionário, Olga rangeu a precária cadeira ao deixá-la. Atenta e perplexa, tomou o caminho para sair da igreja. Uma vez fora, respirou o ar fresco e observou a cidadela, abaixo da colina. Viu toda a extensão agrícola verde que cercava a pequena prole de cidadãos, antes de ser chamada pelo seu pai para subir à carroça.
Agnus tomou as rédeas feitas de couro surrado e deu o primeiro movimento condizente para que a égua se mexesse. Era quinta-feira santa, e Olga era a última que não havia se confessado na família.
A mãe, os irmãos e os tios já haviam vindo muito antes, até porque a família Orgetz sempre fora demasiadamente religiosa, e em quase todo mês se confessavam. Era esperado que viessem praticar do perdão antes do dia geralmente comum, como era na quinta-feira, que antecipava a sexta de paixão.
Porém o mais peculiar era toda o vazio da igreja. Já eram cerca de quatro horas, e o padre havia praticado o confessionário de menos de uma dezena de pessoas, e se fosse perguntado, diria como sempre foram os Orgetz os mais assíduos a se livrarem do pecado e a conviverem no templo de Deus.
Pai e filha não trocaram palavra alguma no trajeto. O caminho que passaram, nos subúrbios da cidadela, aparentava estar contaminado pela sujeira do pecado. As pessoas pouco se importavam pelo ocorrido católico, e blasfemavam umas entre as outras, trocando infames mensagens de escárnio ou de conteúdo sexual. Agnus as olhava com nojo e Olga com curiosidade.
A garota de 16 anos estava prestes a casar-se, depois da Páscoa, com um filho de um amigo de seu pai, em um casamento arranjado. Os Weistdmann sempre foram leais à Agnus e aos Orgetz, e como mero desejo de "retribuir" um desses favores, o patriarca ofereceu sua filha mais nova em casamento ao filho mais velho do patriarca dos Weistdmann, Harmann.
Olga havia o visto pelo menos duas vezes, e lembrava-se de como lhe parecia nauseante e sufocador. O homem tinha pelo menos 30 anos, e já havia tido outra esposa antes, que morrera na hora do parto de um filho jamais nascido.
Insensível com o fato, Harmann nunca se arrependeu pela perca da mulher e do filho, ao contrário, lutou em várias guerras, voltando para casa somente quando seu pai morreu, assim tomando o posto de patriarca, e consequentemente necessitando de uma esposa para perpetuar a linhagem.
Foi ligeiro em pedir que Agnus lhe concedesse esse favor, e como ele tinha uma jura de sangue, graças a um favor que tivera no passado, jurou esposar Harmann com sua filha Olga no domingo seguinte ao da pascoa.
A garota pouco ou nada tivera que fazer para tentar impedir esse fato. Não estava preparada para ser uma esposa ou dona do lar, e isso deixava-a afundada em pensamentos de pânico e insegurança.
Tentando lembrar qual fora sua primeira lembrança referente à Harmann, recordou-se de um natal que acontecera a no mínimo dez anos, quando este ainda tinha sua antiga esposa, grávida. A menina era inocente demais para imaginar a barbárie que aconteceria, e que teria que casar-se com um degenerado com ele.
Não tinha modos, tão pouco educação, era notável pela força física e grosseria, e apenas isso. Era seguro afirmar que um Neandertal fosse mais esperto e intuitivo que ele, entretanto sempre seguira a igreja católica, guardando os domingos de reza, além de lutar como um herói de guerra e ser o primeiro a suceder seu pai como líder dos Weistdmann.
VOCÊ ESTÁ LENDO
BRUXARIA
HorrorEm uma vila no leste europeu, em meados do século IX, uma família é assolada pela presença de uma suposta "bruxa", que os aterroriza intermitentemente, trazendo as piores maldições e pragas para essa linhagem. Não se sabe muito sobre ela, ou porque...