Pipa.

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Assim que virei a esquina da minha escola, descobri que estava atrasada, pois o ônibus que deveria tomar agora, está virando com toda sua glória a outra esquina.

Com toda certeza esse não é o meu dia... Querem saber? Vou listar para vocês os acontecimentos graciosos de hoje: levei uma bolada na cara que fez minha  boca sangrar; meu relógio, que ganhei de aniversário, pifou depois que uma menina bateu no meu braço, derrubando o relógio, e como se não bastasse, um garoto passou por cima com o pé (tamanho 43); fui para a diretoria por não ter trazido o livro de português pela terceira vez na semana; e por fim, derrubaram suco de uva na minha camisa branca. Detalhe, estava com um sutiã rosa choque que ficou ainda mais visível por conta da camisa molhada.

Eu aperto as alças da minha mochila, e caminho olhando as pedras das calçadas, todas tortas em uma tentativa falha de sincronia. Levanto a cabeça e meus olhos se estreitam com o sol que chega sem dó, quase cegando-me. Eu avisto a pequena e quebradiça casinha onde devo esperar pela sorte, ou o próximo ônibus, como preferir chamar.

Eu me jogo no banco de concreto, mas logo me arrependo, afinal o banco é de concreto. Percebo a sombra fresca e me alivio, sem o sol no rosto pelo menos. Com os olhos estreitos, olho para cima e procuro minha amiga, que me proporciona tal graça. Uma bela e antiga árvore, grande como cada um de seus galhos, e folhas, todas bem verdes de vivas. Sempre quis te desenhar dona velha, talvez essa seja a hora... Não, estou cansada demais pra abrir minha mochila.

A rua está calma, ou, entediante, e procuro incessantemente algo para me distrair. Logo, paro minha atenção em um ponto diferente em tanto verde da árvore: um belíssimo sapato, que está perdido em meio aos galhos. Até ajeitei meus óculos, para ver melhor. O que se sucedeu para alguém ter a má sorte de perder um sapato desse? Um belo tênis vermelho?

Será que foi algum acidente?! Olho depressa para o chão de concreto desgastado, procurando alguma mancha, mas não encontro nada. Bem, acho que isso é bom... Mas voltei a estaca zero. 
Será que alguém prendeu uma pipa na árvore e tentou tirar arremessando o sapato? Não, não, ninguém arremessaria um sapato desses, além disso, quem empina pipa hoje em dia?

 Isso me faz lembrar da época em que eu sempre via meus primos montando-as. Sabe, as pipas...

Um pegava o facão e ia em busca de um pedaço bom de bambu. Já o outro, ia atrás de sacolas plásticas resistentes, mas no sítio, não haviam muitas. Eu sempre ficava encarregada de roubar linha da vó.

"— Eu quero uma pipa. " 
Sempre ficava apoiada na mesa, mas já que ela era muito alta, por isso deixava meus pés sempre estavam balançando, animados para um lado e para o outro.
"— Você não pode ter uma pipa."
"— Por quê não?"
"— Ora, por que? Porque você é menina!"
"— Não vi razão, vocês são meninos e empinam pipa!" 
"— Por que você não vai brincar de boneca?
"—Eu vou contar tudinho pra vó! Que vocês não deixa eu brincar! Oh vó!" 

O sapato (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora