CONTO: O GAROTO DO TREM

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Mais uma semana começava, mais oportunidades de encontrá-lo novamente no trem todas as manhãs. Dessa vez eu realmente tentaria me aproximar, talvez dissesse um olá e continuasse a conversa comentando sobre o frio que estava na cidade. Ele me acharia esquisita, ou não.

Ao passar pela segunda estação, ele entra e se senta no mesmo banco de sempre, está usando um casaco vermelho que contrasta com a pele branca. Há um livro em suas mãos, uma cópia de 1984, que devia estar lendo pela quinta vez.

Me levanto e sento no banco bem a sua frente, que pela primeira vez em semanas está vazio. Meu coração acelera, mal se aguenta dentro do meu peito. Minhas mãos suam e eu ensaio maneiras diferentes de puxar uma conversa.

- Oi - eu digo de forma urgente - Você por acaso tem horas? Meu celular está com defeito e desligou.

Após franzer o cenho, sem me olhar direito, me responde:

- São 7:15

- Obrigada - falo com a voz quase sumindo

Isso não ia funcionar, eu precisava de outra estratégia.

- Tá gostando do livro? - pergunto. Eu sabia que sim, pois era um de seus livros preferidos - li ele um tempo atrás por recomendação de um amigo, achei incrível.

- Ham, sim, na verdade é uma releitura, esse é um dos livros que mais gosto. Leio ele sempre que posso - afirma com certa empolgação.

- Legal, é um bom livro pra ter como favorito - encerro o assunto sem querer. É, eu definitivamente não sabia conversar.

Após alguns segundos de silêncio, veio a surpresa.

- Qual é o seu? - me pergunta ele, finalmente me olhando nos olhos

- Se chama "Os Girassóis", pouca gente conhece - respondo aliviada

- Ele e sobre o que?

- Sobre o suposto romance que Vicent Van Gogh viveu com uma prostituta, mistura história com ficção, é bem bonito e um pouco triste...

- Porque eles não ficam juntos, já que ele morre - ele me interrompe.

- É, isso - seguro um pouco minha vontade de chorar - história de amor complicada - olho pela janela, estamos chegando na estação que ele desce.

- Vou procurar pra ler, gosto das obras de Van Gogh e trabalho perto de uma livraria, quem sabe nós discutimos ele nas viagens diárias de trem. Você pega todo dia não é? - me pergunta arrumando a mochila nas costas.

- Sim, mas é um livro meio complicado de achar era mesmo.

- Você pode me emprestar - ele dá de ombros - Qual o seu nome?

- Alice - falo tentando não demonstrar o quanto estou feliz.

- Alice, eu me chamo Noah.

Eu sei.

- É um prazer conhecê-la - declara sorrindo para mim

- Igualmente, Noah - sorrio de volta

- Agora eu preciso ir. Até a próxima - Noah se despede

E lá sei foi ele. Noah, que pela primeira vez desde o acidente e a perda de memória sorriu pra mim, mesmo não me reconhecendo e sabendo que nos conhecemos a vida toda antes disso.

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⏰ Última atualização: May 02, 2020 ⏰

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