CAPÍTULO VI

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Agnus não pregou o olho durante o resto da noite. Se dependesse apenas de si já teria partido, mas mesmo assim não saberia para onde ir. Ficou pensativo quanto à história de Godascalc de Leers e de sua esposa Elvira de Sulfein, à qual Grimald havia lhe contado. A forma como a bruxa havia induzido a mulher se assemelhava à mesma maneira que havia sido com Olga, entretanto tudo fora mais rápido. Raciocinou, imaginando que talvez sua filha fosse até mais preciosa do que Elvira para ser levada com tanta antecedência, e isso era incoerente para ele. Elvira sempre fora uma condessa, filha de monarcas, e Olga se tratava de apenas uma jovem camponesa, o que ela tinha de tão especial?

Não sabendo responder sua própria pergunta, esperou o sol amanhecer. Era sexta-feira santa, e por isso não poderia tomar ação qualquer naquele dia. Apesar de se ver desacreditado não poderia falhar na doutrina, por isso permaneceu com Grimald, imaginando alguma ação a se tomar após o dia. Como caçador o irmão já havia rondado as regiões e certamente já ouvira falar sobre o castelo de Leers, porém como o próprio Grimald disse, ele não sabia a localização. Deveriam de alguma forma obter o conhecimento de qual caminho levaria até tal lugar, e se esse seria tão longe.

Ute foi quem explicou a todos os filhos a situação que ocorrera na noite anterior, contudo, por não conhecer a lenda de Godascalc e Elvira como Grimald e Agnus conheciam, não deu muitas explicações de como Olga sumira. Antes da celebração do dia, parte do clero local foi até o local do sumiço e assim batizaram o quarto com água benta. Entretanto, havia em seus olhos velhos um requinte de inquietação. Quando questionados não balbuciaram muita coisa além de uma simples frase: "Mantenha distância da sua filha". A mãe ficou apavorada com tal, mas mesmo assim não contou nada a Agnus, pois sabia que ele iria até o fim para encontrar Olga, e se uma dessas ordens do clero chegasse aos seus ouvidos talvez sua fervorosa crença cristã falasse mais alto e ele não partisse, como ela imaginava.

A celebração foi mais cedo do que nos outros anos. Os ritos demorados ocuparam boa parte da tarde, em uma cerimônia sombria da morte de cristo. Agnus compareceu à ocasião, mas mal podia esquecer-se do mal que se apoderara de sua filha, e a cada momento que o sol transgredia, sentia que ele apossava-se ainda mais dela. Jejuou naquele dia e confessou-se novamente ao sacristão, pedindo uma benção divina. Explicou a situação, e imune de todo seu ódio e egoísmo, teve apenas uma resposta do sacerdote: "Ela não pode ser trazida mais de volta, Agnus. Poderá se arriscar demais se tentar, deixe para os santos cavalheiros".

Bobagem, os cavalheiros pensavam apenas em glórias pessoais. Na verdade salvar uma donzela era a maior das honras para um desses guerreiros, foi quando Agnus finalmente lembrou-se. Apesar de seu futuro genro não ser um cavalheiro nato, ele havia lutado em muitas guerras, assim poderia ajudar com alguma coisa, ao menos. Assim foi até a propriedade dos Weistdmann, e logo à estrebaria avistou Harmann, enquanto esse dava de comer a um de seus cavalos. O homem não ficou surpreso, apenas disse: "Orgetz, a que devo sua visita? Por combinado nos encontraríamos novamente no próximo domingo, mas eu sei o que ocorreu".

Já era tarde demais, a notícia havia chego aos ouvidos do homem antes de que Agnus pudesse avisá-lo pessoalmente. Seria uma afronta se Harmann tentasse algo contra o futuro sogro, mas mesmo assim, com sua mente debilitada, acusou-o: "Planejou uma fuga para ela para que se safasse ileso de sua dívida, velho. Sabe, eu não vou tentar nada contra você, mas saiba que se ela não voltar, em breve a sua família será esmagada pela minha espada".

Era uma ameaça pessoal, um convite a uma guerra de clãs em que os Orgetz não teriam a menor chance. Já desesperado, Agnus caiu aos joelhos de Harmann e começou a choramingar enquanto tentava dizer a verdade: "Entenda, nobre guerreiro, minha filha sumiu, e eu nunca viria chorar aos seus pés se tivesse tramado isso". Porém nada remediou a fúria de Harmann, que o afastou com as pernas. "Não importa onde ela está, se corre ou não perigo, traga-a de volta!" gritou furioso o jovem.

Agnus então, astucioso, decidiu usar apenas um leque de palavras para mudar a percepção de Harmann facilmente: "Tudo bem, imaginava que um nobre cavalheiro como você pudesse ajudar salvando minha filha, mas já que não pode farei eu mesmo". Isso ascendeu uma chama de desafio em Harmann, que pestanejou: "Eu mataria qualquer monstro se preciso, mas vindo de você não confio em nada".

Permanecendo em sua fala, Agnus insistiu: "Renunciará um pedido de ajuda de uma pobre donzela, Harmann?". Esse foi ápice, negar aquele chamado seria covardia e ele seria difamado, então assim, esbravejando, o homem aceitou o que o futuro sogro lhe pedia. "Onde ela está, ao menos?". Agnus levantou-se do chão, pondo-se de pé novamente e então disse, mais calmo: "Suspeito que seja prisioneira no castelo de Leers, conhece?".

Com certo desprezo, Harmann assentiu: "Passei próximo desse lugar em outras ocasiões, é como se fosse um inferno na terra, mesmo de dia não há luz que ilumine. Uma vez um de nossa tropa foi enviado para verificar um poço do devido local e nunca mais voltou, mas...", cessou o ritmo de fala e disse, "Ainda não posso acreditar em você, Orgetz, pode ser somente uma emboscada". Apreensivo, Agnus pensou em uma saída, e então disse: "Meu filho Kunz Pater o acompanhara na jornada, e poderá ver que não carregara arma alguma, será uma espécie de escudeiro, assim se algum mal cair sobre você, cairá sobre ele também, e isso não irá acontecer".

Já convencido da proposta, Harmann apenas finalizou, dizendo: "Sei que seu filho Kunz não é o seu mais querido, Orgetz, mas mesmo assim aceitarei o chamado, apenas um covarde recusaria". O Golias estava vencido, como julgara Agnus, porém, por mais que essa fosse uma grande ajuda, ele não excitaria em salvar sua filha, então ainda disse: "Posso te acompanhar também...", mas Harmann recusou, julgando, com toda sua paranoia, que Agnus tentaria lhe esfaquear enquanto dormia.

Ressentido mas satisfeito, Agnus já ia se despedindo quando o futuro genro lhe deu uma resposta final: "Se Olga não estiver presente nesse castelo abandonado, e se eu voltar com vida, toda a força da minha espada cairá sobre vós e sua família, Orgetz, esteja avisado". O homem apenas assentiu e se retirou da propriedade dos Weistdmann. Agora estava tudo em jogo.

Rapidamente voltou para casa e explicou toda a situação à Grimald, que notou todo o absurdo da situação. Indignado disse: "Ele não poderia ao menos ter nos informado a localização do castelo?" e Agnus respondeu: "Já era tarde demais quando soube que ele sabia onde ficava o lugar, depois disso ele não recusaria o pedido e até nos impediria se pudesse". Abismado com a situação, Grimald pensou em uma solução, pois sabia que Agnus se sujeitaria de qualquer forma à ir salvá-la, mesmo que houvesse outro fizesse isso por ele. No fundo ainda era um bom pai para sua filha.

"Deveremos segui-lo", respondeu finalmente Grimald, irrompendo todo o silêncio de seu momento de reflexão, "não poderemos fazer fogueiras, barulhos ou qualquer coisa que denuncie onde estamos, manteremos uma boa distância dos dois, e se Kunz precisar de ajuda irromperemos imediatamente". Mediante isso, Agnus ficou satisfeito. Seria como localizar uma caça, mas nunca de fato atacando.

"Kunz saberá se virar", respondeu Agnus, alheiamente, "se esse é o plano eu aceito". Grimald, contudo, não deu atenção à aceitação do irmão e sim quanto ao que dissera sobre o filho. Com grande ressentimento disse: "O que há com Kunz, Agnus? Porque tanta indiferença? Ele é tão filho seu quanto Olga".

Agnus foi direto em sua reposta: "Kunz é um filho bastardo. Nunca foi desejado por mim ou por Ute, veio de um acidente proveniente de nossos desejos pecadores, pois jamais planejávamos tê-lo, já Olga..." fez uma pausa, "ela foi uma dádiva divina, algo para nos ressentirmos de termos um filho caçula indesejado como Kunz".

"Não posso acreditar" disse com raiva Grimald, "O que ele tem de culpa nisso?". Agnus respondeu na medida: "Ele é o fruto de nossos pecados, Grimald. Não percebe? Nunca terá prestígio como seus irmãos Sieger e Konrad, e sim o mesmo destino que eu: terminar trabalhando para sempre na vida servil".

"Parece que você deseja isso de propósito, Agnus" disse com calma e indignação Grimald, "só irei com você se jurar protegê-lo de qualquer perigo e entregar à ele sua melhor adaga". Mesmo indo contra o que pensava e com o que combinara com Harmann, Agnus concordou com a sentença, pois precisava do apoio do irmão. Apenas após esse assentimento Grimald deixou a sala insatisfeito, enquanto Agnus refletia naquele final de tarde.

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⏰ Última atualização: May 02, 2020 ⏰

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