O dia anda para trás

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— Maravilha — Exclamei ao perceber que meu cabelo não parava no coque, no qual eu havia passado duas camadas de gel.

— America? — Ouço minha mãe me chamando lá de baixo — Dessa logo, vai se atrasar para o primeiro dia no emprego novo — A voz dela era tão calma que quase me fez ter a coragem de descer e tomar um café com torradas como se estivesse indo para o primeiro dia no ensino médio.

Mas agora, o negócio era mais em cima. Desfiz meu cabelo e passei os dedos por ele apressada.

Não era assim que as coisas tinham que acontecer.

Eu iria me levantar as 06:25 da manhã, tomar uma ducha de 15 minutos, vestir meu melhor terninho social com um brilhante santo alto preto. As 7:00 eu iria descer e tomar um reforçado café da manhã para começar meu dia muito bem alimentada e aproveitar para bater um papo com minha mãe de dez minutos. 7:30 eu caminharia até o ponto de ônibus o qual demora exatamente dez minutos para parar no ponto e dez para chegar a Rua Finkler da avenida principal. Ou seja, eu teria ainda alguns minutos para analisar meu novo ambiente de trabalho pelo lado de fora.

Mas como você pôde me acompanhar nos primeiros parágrafos. ISSO NÃO ACONTECEU.

Posso culpar com todas as palavras o meu relógio tagarela, que eu gosto de chamar de despertador. Todos os santos dias para essa belezura quebrar, ela resolveu brincar comigo logo hoje que deveria ser um dos dias mais importantes da minha vida.

Tentei me manter positiva quando corri até a cozinha e peguei uma maçã para não morrer de fome. Mas minha esperança de um dia bom começou a falhar quando enxerguei a silhueta do ônibus virando a esquina.

Calma, isso não foi o fim da linha. Peguei um táxi que era minha melhor opção.

Acontece, que LOGO HOJE, um caminhão acabou deslizando na pista e sofreu um acidente, o que resultou uma fileira de carros em congestionamento na rua. Tentei manter minha sanidade quando meu relógio marcou 08:00 horas, o que significava que eu já deveria estar na empresa.P Porém comecei a gritar com as janelas do carro quando já marcavam 08:06 e eu ainda estava parada no mesmo lugar.

Acontece que só fui descer no quarteirão da rua 5 quando provavelmente eram mais de 08:20 da manhã.

Corri, e corri pra valer, senti o ar tentando voltar pra dentro de mim quando parei em frente a aquele prédio de janelas de vidro brilhante que continham pelo menos 15 andares. Sabia que estava ferrada, mas enfrentar é melhor que fugir, então, sentindo que minhas pernas iriam ceder ao chão a qualquer segundo, puxei a porta de madeira e entrei na recepção.

O lugar era o mesmo no qual eu havia visitado há dois meses. Pessoas de ternos sociais andando pra lá e para cá com tablets e celulares em mãos, conversando umas com as outras em cantos, ou falando nos telefones.

Todas trabalhando para o desenvolvimento da empresa.

Menos eu, eu era a vergonha, o fracasso, que nem havia chegado e já estava toda ferrada.

Corri até a recepcionista que me olhou dos pés a cabeça. Tive de lhe mostrar meu contrato para ela acreditar que eu realmente pertencia a empresa. Por fim, subi no elevador e parei no andar 6.

E não havia ninguém lá. Ninguém. Nem meu chefe, ou colegas de trabalho, apenas a sensação de ter tido um fracasso em algo que ainda nem comecei. Simplesmente me sentei no chão, e coloquei minha cabeça entre os joelhos.

Não era para ser assim, não podia ser assim. O quê é que eu vou fazer? Meu chefe deve ter achado que eu desisti e nesse momento deve estar dando o emprego para outra pessoa.

Quero dizer a ele que não sou fracassada, que tenho muita vocação e vontade de exercer esse trabalho. Quero lhe dizer para me dar uma segunda chance por mais que eu não mereça. Eu podia fazer qualquer coisa, podia pegar o almoço de todo mundo da empresa por um mês, e até cafezinhos da tarde. Eu podia cuidar de seus filhos caso ele tivesse, e pintar o cabelo da sua mulher se precisasse.

Eu podia fazer qualquer coisa, qualquer coisa.

— America Singer? — Uma voz se fez presente a minha frente e levantei a cabeça rapidamente.

Um homem que aparentava ter por volta de 25 anos, me olhava como se eu fosse uma louca varrida por estar sentada naquele chão.

Me recompus e passei as mãos por meu cabelo ajeitando também minha bolsa no colo.

— Sou eu — Falei como se eu tivesse um pouco de dignidade. O homem tentou tirar aquela expressão da cara mas não teve muito sucesso, porque ainda me olhava como se eu tivesse acabado de sair do hospício. Reparei em sua camiseta escura de mangas longas e seu jeans simples que estavam acima de um tênis da nike azul. Ele era o único aqui que presenciei que não usava uma roupa social. Então por algum motivo, me senti um pouquinho menos ridícula.

Além do mais, ele parecia novo demais para ser chefe, então conclui que ele deveria ser estagiário ou um secretário.

— Eu sou Maxon Schreave — Falou — E você deveria se levantar, e .... me seguir — Sua voz saiu tão autoritária que eu mais que imediatamente me levantei e o olhei preocupada. Sua expressão mudou um pouco quando estávamos frente a frente, ele agora me analisou dos pés a cabeça e não pareceu muito contente com o que viu.

Me vi abaixando a cabeça envergonhada.

Maxon mudou a direção de seu olhar e olhou para frente seguindo em linha reta pelo correndor. Eu o segui em silêncio, apenas com os passos de nossos pés ecoando pelo chão.

Torci para qualquer que fosse o cargo dele na empresa, nós não tivéssemos muitos encontros. Torcia mesmo.

Sr. Maxon SchreaveOnde histórias criam vida. Descubra agora