Nada a encontrar

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— Lan Zhan. Temos que ir.

A voz de Wei Wuxian pareceu não entrar nos ouvidos de Lan Wangji. Seu novo corpo ainda não tinha a força do seu antigo e ele já não era capaz de continuar a ajudá-lo, mas o de Lan Zhan continuava o mesmo e, por isso, ele continuava.

Não havia mais ninguém no templo, o dia havia acabado, a noite fria e chuvosa se estendia. Já haviam passado das nove, mas não havia nenhum indício que ele parecia se importar com aquilo.

Wei Wuxian era apenas capaz de imaginar quantos calos estavam nas mãos de Lan Wangji ou se ainda havia alguma digital na ponta de seus dedos porque, a cada pedra que ele retirava, Wei Wuxian conseguia ver marcas avermelhadas de sangue.

A fuligem da poeira manchava o rosto de jade. A sujeira se acumulava nas mangas das roupas sempre impecáveis, o corpo por diversas vezes havia se curvado sobre pedras e destroços cedendo ao cansaço e aquilo fazia apenas o peito de Wei Wuxian doer.

Lan Zhan era forte. Havia aguentado coisas e dores que ninguém mais conseguiria. Se a força fosse o único requisito para ascender, aquela jade de Gusu já teria o feito, mas naquele momento, com a mente frágil, com o Qi tão instável que até mesmo Wei Wuxian em seu fraco corpo poderia sentir, Lan Zhan, a agora solitária jade de Gusu, era um homem fraco e cansado.

Já não era o mesmo.

Wei Wuxian criou a coragem para se levantar do canto onde suas pernas clamaram por descanso e se dirigiu até Lan Wangji. Ao o ver ali, Lan Wangji moveu mais uma pedra e parou. Até mesmo os braços fortes do clã Lan pareciam estar cedendo.

— Lan Zhan. — Wei Wuxian disse com o maior cuidado que pode, Lan Wangji agarrou outra pedra e a moveu. — Lan Zhan, temos que ir. Temos que ir de volta para Gusu.

Wei Wuxian foi ignorado.

Lan Wangji continuou.

Wei Ying apertou os lábios.

A quanto tempo não sentia suas mãos tremerem?

— Lan Zhan. — Ele disse mais uma vez. — Temos que ir. Não temos nada para achar aqui. Nós não vamos achá-lo.

Wei Wuxian tentou tocá-lo, mas parou quando os olhos dourados se viraram para ele, cortantes, duros, não havia mais algum filtro ou algo que impedisse Lan Wangji de mostrar suas emoções, não havia mais quem as lesse, então ele tinha que mostrá-las.

O braço de Wei Wuxian caiu. A quanto tempo Lan Zhan não o olhava de uma maneira que beirasse tanto o desprezo?

Mas sua expressão se desfez tão rápido quanto surgiu. O arrependimento tomando os olhos e baixando suas sobrancelhas. Daquela vez Wei Wuxian conseguiu tocá-lo, a mão pousando em seu braço compassivamente.

— Vamos procurar mais um pouco, mas nós realmente temos que voltar depois.

Lan Wangji não concordou ou muito menos negou. Suas mãos calejadas e feridas se moveram em conjunto com seu corpo doído e se ergueram, indo em uma outra direção.

Wei Wuxian suspirou enquanto o olhava ir. Fechou os olhos por um instante pensando em tudo que viria depois, tudo o que precisaria dizer.

Os três irmãos jurados haviam morrido. O Recanto das Nuvens havia perdido o mestre. E, por mais que Lan Qiren não fosse alguém por quem sentisse empatia, Wei Wuxian ainda não teria a coragem de dizer para ele que havia perdido um dos sobrinhos. Que Lan Zhan havia perdido o irmão, a única pessoa que ele sabia que havia tornado tudo mais fácil para ele.

Tinham vencido, mas a que preço?

Gusu havia perdido uma jade. Lan Zhan havia perdido um irmão. Wei Wuxian teria que assistir a aquele buraco no peito dele incapaz de fazer qualquer coisa, porque não havia cultivo — bom ou ruim — naquele mundo que fosse capaz de reparar o que havia sido causado ali.

Mesmo assim, por mais que fosse egoísta, por mais que fosse como jogar esforços fora, Wei Wuxian faria o que fosse necessário! Porque sabia que Lan Wangji conseguiria viver sem ele, mas não sabia o que ele faria sem Xichen. Mas infelizmente, não havia nada que Wei Wuxian pudesse fazer realmente além de querer. Não havia nada a ser feito.

Ele abriu os olhos quando ouviu som de um corpo caindo contra as pedras, viu Lan Zhan ajoelhado e seu corpo curvado contra os escombros. Wei Wuxian correu, ganhando mais cortes e ferimentos que para ele nada importavam, tentou amparar Lan Zhan, mas percebeu novamente que não havia nada que ele poderia fazer.

A fita de testa pendia agora em suas mãos. Suja, rasgada, o sangue ainda parecia fresco o suficiente para manchar as poucas partes das mãos que ainda não estavam sujas de Wangji. Ele olhava para a fita com bordados com a expressão que Wei Wuxian nunca seria precisamente capaz de descrever, mas que mostrava toda a incerteza e medo que ele agora sentia, todo o vazio, toda a solidão.

Tentou tocá-lo de novo, mas outra vez não conseguiu. O corpo de Lan Wangji ergueu-se com firmeza em sua postura que era quase sempre inabalável, a fita que antes pertencera a Xichen agora estava enrolada em sua mão e era segurada com tanta força que poderia rasgar o pouco que ainda resistia intacto.

Ele respirou fundo, seus ombros tremeram.

— Wei Ying. — Ele disse, a voz ecoando no espaço destruído. — Vamos embora.

— ... Lan Zhan.

— Wei Ying. — Ele repetiu, daquela vez o tremor de seus ombros atingiu suas palavras. — Vamos embora. Não temos mais nada para a achar aqui.

O corpo de Wei Wuxian tremeu com aquilo. Observou Lan Wangji se afastar do templo com passos firmes, decididos e apressados. Ele já não parecia mais capaz de suportar ficar ali. Wei Wuxian se virou, ajoelhou-se sobre as pedras e reverenciou em respeito, fez uma promessa tão silenciosa que suas palavras se perderam entre a poeira e, então, apenas então, seguiu atrás de Wangji.

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