Capítulo Único e Curto

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   Tratavasse apenas de mais uma barraca na feira. Nada mais, nada menos.

   Expostos sobre uma ribalta de bêtula, em pleno sol do meio-dia. Reles mercadorias a espera de um comprador.

   Ao longe, mais e mais barcos se aproximavam. Trazendo mais e mais mercadorias para a venda frenética que aconteceria naquela manhã veranil de sábado. Quando as naus atracavam, as gaivotas, entorpecidas pelo cheiro de excremento e vinho, começavam a chiar enlouquecidas a espera de alguma sobra restante da viagem dentro dos obscuros e frios porões.

   Aos poucos as pessoas começaram a se aproximar do cais. Homens, mulheres, crianças, padres, padeiros, ferreiros, alfaiates, prostitutas e até mesmo os cães se destacavam para perto das docas para vê-las passar.

   O capitão, com toda a sua pompa e ar de soberania, enquanto encarava a todas aquelas insignificantes pessoas com desdém (ele os via apenas como consumidores primários daquele sistema capitalista. Em outras palavras, os via como aqueles viciados em ópio do Oriente), foi o primeiro a descer.

   Logo em seguida vieram os marinheiros, homens marcados pelo escaldante sol do mar e pelas fortes tempestades de vento salgado e cortante, com seus gigantescos, e grotescos, sorrisos amarelados.
Era um alivio não estar entre aqueles que sucumbiram nas mãos do grande Netuno e fizeram do mar sua sepultura. Ser um daqueles privilegiados que ainda puderam ver os rostos das esposas e dos filhos recém chegados aquele mundo.

   Quando todos já haviam descido da embarcação, o capitão, já anciando molhar a garganta com uma boa cerveja e afogar o tempo perdido num cheiroso pescoço de mulher, gritou em alto e bom som:

    "Que o leilão comece!".

   De imediato, uma sinfonia macabra vinda dos frios porões da embarcação, começou a ecoar pelo céu anil.

   A medida que ela aumentava, seres de tez escura emergiam das entranhas da nau. Estavam amordaçados dos pés a cabeça por grossas correntes de ferro, trajavam nada além de farrapos e alguns, dentre eles mulheres e crianças, estavam desnutridos e com grandes ferimentos em suas costas e braços. Em suas faces havia uma expressão de pós-morte.

   Assim que os viram, a multidão entrou em um estado intenso de frenesi. Todos gritavam e davam gargalhadas. Aplaudiam ou cuspiam na direção dos acorrentados.
  
    O capitão com seus marinheiros, tentavam impedir aqueles que pudessem ferir suas preciosas mercadorias. Mas o caminho até a ribalta ainda estava longe e a feira mal havia começado.

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