Capítulo 15

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O TRAJETO ATÉ Inverlochy correu sem qualquer imprevisto, se Ana fosse desconsiderar o frio congelante que machucava suas bochechas já impossivelmente vermelhas – mesmo cobertas pelo cachecol grosso e as ondas dos cabelos caídos ao redor do rosto.

Nunca se importara de ficar sozinha antes. Gostava do prazer da própria companhia tanto quanto gostava de um filme antigo com efeitos toscos e uma xícara de café bem forte ou achocolatado. Porém, passara os dois últimos anos grudada a Taelor no trabalho e na escola.

Era sua melhor amiga – ou o mais perto que poderia chegar disso; não contava todos os seus segredos a ela e não passavam as únicas horas livres do dia em chamada de vídeo, mas sabia que podia contar com ela. Se se sentisse triste em plena madrugada e dissesse à amiga, em dez minutos estaria ali com uma caixa de chocolates e balinhas. Conversariam sobre filmes, maquiagem, os grandes feitos amorosos de Tae e ela a irritaria sobre Thalia e como as duas deveriam ficar juntas.

Não precisavam falar sobre nada que não queriam, e o silêncio mútuo era seu respeito. E Ana não ligava. Passara muito tempo sem ter uma amiga próxima de verdade e mal conversava com os antigos colegas da escola.

Porém, agora, depois de dois dias de absoluta insanidade e estando à beira das lágrimas, sentiu falta da amiga como nunca antes. Se sentiu insegura, pequena. Solitária.

Mas não ia se abater nessa altura do campeonato. Principalmente considerando que tudo que passara até então, com certeza, era só o início.

Então resignou-se a aproveitar a viagem de duas horas até o próximo destino. Francamente, por que um portal mágico devia ficar num lugar tão longe? E por que tantos passos a seguir?

Esperava que, pelo menos, fosse ganhar comida grátis como fora na casa de Clarisse.

Ana deu um tapinha no punho do florete encolhido, parcamente escondido sob o moletom, a camisa de flanela e a camiseta, frio contra sua pele. Ao menos teria como se defender e já sabia que poderia esperar absolutamente qualquer coisa do Castelo de Inverlochy.

Também se impressionava com o fato de tudo acontecer só agora que, de fato, sabia ser feérica. Estivera por toda sua vida exposta a todos os perigos, mas permanecera a salvo por sua ignorância? Parecia mal feito até para ela.

Ou talvez tivesse sido protegida sem saber durante todo esse tempo, como a cúpula de magia invisível ao redor de sua casa. A menina sentiu um aperto no peito ao lembrar de seu quarto tão confortável, bagunçado e seguro.

Queria parar de pensar tanto nessas coisas, mas não conseguia. Em apenas vinte e quatro horas, teve mais crises de ansiedade que nos últimos três anos, mesmo pensando que havia melhorado. E agradecia por isso; só se a pessoa fosse louca pra não se sentir sobrecarregada no lugar dela.

Então, apenas se encolheu no ônibus gelado, agarrando a mochila e se certificando mais uma vez se os zíperes estavam bem fechados. A adaga cravejada de brilhantes estava bem presa em uma rede na parte traseira da bolsa.

Enfiou uma mão no bolso e a outra por debaixo da blusa, alcançando a espada oculta. Mesmo que não soubesse direito o que fazer com aquilo, se sentia mais segura assim.

Colocou uma música lenta qualquer para tocar no celular e fez o possível para ao menos cochilar. Já estava irritada e balançava a perna sem parar. Graças aos céus havia bebido chocolate no lugar de café naquela manhã.

Argh. Estava pensando demais. Estava falando demais consigo mesma. Estava cansada de tanta informação. Precisava esquecer, recarregar. Precisava dormir, só para ter mais um sonho profético e assustador. Ou talvez só quisesse apagar de vez e acordar na primavera como um urso.

Aurora | Adhara: Deraia - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora