Boas vindas

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Fui acordado do melhor sono da minha vida aos berros. Berros que vem do lado de fora. Eu levanto o rosto do travesseiro — que é tão fofo que permitiu que minha cabeça se afundasse totalmente nele — e olho para Clarisse e para Midas. Clarisse sai de uma abertura na madeira, bem na hora que eu olho para ela. Seus cabelos estão molhados, enrolados em uma toalha, e a garota veste uma roupa idêntica a de ontem, só que, desta vez, um pedaço de madeira está preso a suas costas, e, na sua mão, seu machado.

—Nós temos um banheiro? Onde está Midas? —pergunto, me despertando e levantando da cama, de pijama.

Clarisse dá uma risadinha com um tom que diz "Você é burro?"

—Nós temos 3 banheiros. Midas deve estar no dele, fazendo sei lá o quê —responde, sentando-se na cama e tirando a toalha do cabelo, a fim de secá-lo — E acho melhor você se apressar, devemos estar na porta do dormitório em 3 minutos.

Eu vou até a parte de trás da minha cama e faço um movimento circular. A parede de madeira se abre, dando lugar para um banheiro. Hermes, que até agora estava dormindo, dá um latido.

Eu entro no banheiro e me visto rapidamente, não prestando atenção nos detalhes do cômodo. Terei tempo para isso depois. Às minhas vestes são as mesmas de ontem, assim como as de Clarisse. Eu saio do banheiro e coloco meu escudo nas costas, assim como minha amiga colocou sua madeira nas dela. Pego meu cajado e faço um movimento circular com a mão, saindo do quarto. Hermes me acompanha, ao meu lado.

Todos os outros adolescentes já estão de pé ao lado dos seus beliches. Bem na frente há um homem, alto e corpulento, por mais que eu não consiga distinguir suas faces, e, consequentemente, sua idade. Eu me alinho ao lado de Clarisse, e Midas se junta a nós. Em seu pescoço, há uma cobra.

Uma gota de suor brota no meu pescoço. Um dos meus poucos medos são cobras. Não só as venenosas, qualquer uma. Me dão calafrios. Creio que seja trauma. Quando era uma criança, na minha primeira semana na casa dos meus pais adotivos, fui picado por uma Jararaca. Durante anos eles ficaram me lembrando do alto valor do tratamento, e do valor que eu custava para a família, que tinha que fazer serviços domésticos para custear a minha vida, para pôr a comida na mesa.

—Senhores, bom dia! —grita o homem, que têm sua voz reverberada pelo dormitório.

—Bom dia senhor! —respondem os adolescentes, em uníssono.

—Senhores, dêem boas vindas aos vossos capitães! Sávio, Midas e Clarisse são os campeões da Nova Era e nos guiarão rumo a vitória. Positivo? —questiona.

—Positivo sim senhor, boas vindas capitães —urram os adolescentes.

Este lugar não parece uma escola, está mais para um quartel. Regras rígidas, responder senhor no final das frases...

—Capitães, vocês se importam em vir aqui para frente? —questiona, porém, em tom de ordem.

Nós não respondemos, mas vamos andando até a frente. Sinto os olhos se pregarem nas minhas costas. Quando passamos pela frente do grupo que não nos aplaudiu ontem, Hermes dá um latido irritado e rosnados fortes.

—Tranquilo, tranquilo. Junto comigo —digo, com a voz firme, e o animal para de rosnar.

Nós nos juntamos ao Comandante, que aperta nossas mãos e faz uma pequena reverência, como se honrado em estar conosco. Ele levanta a mão em punho e à aponta para frente. Os barulhos das botas começam, e nós nos locomovemos pelos corredores de Asgard.

Com toda, e absoluta certeza, somos os mais organizados do lugar. A única equipe que se movimenta de modo militar, somos nós. Todos às outras estão dispersas, e nem sequer fazem fila. Os adolescentes carregam livros, espadas e gravetos retorcidos de modos estranhos.

Quando chegamos perto do nosso destino — o refeitório — o número de vozes aumenta, e o barulho chega a ser mais alto que o do refeitório de uma escola de ensino médio normal.

Quando adentramos o recinto, porém, às vozes se calam. O Comandante para, e nós paramos junto, ao seu lado.

—Equipe Nova Era se apresenta para o café! —grita o comandante —Guerreiros, dispersar! —urra novamente.

Todo o caráter militar da equipe se perde nesse momento. Às conversas voltam em todo o seu potencial. Eu e meus três amigos, os "protegidos", nos direcionamos para a fila. Pegamos uma bandeja e aguardamos. Quando o garoto, que está na minha frente, vê quem nós somos, se afasta.

—Por favor, me perdoe. Eu não vi vocês, me perdoe, por favor —implora, se afastando e caminhando para longe.

Todas às outras pessoas saem do nosso caminho. Algumas, com boa vontade, outras, parecem forçadas a tal ato. Com as bandejas na mão, nós nos sentamos em uma mesa vazia e começamos a comer.

—Nós parecemos ter má fama. Você viu aquela cara do início? Parecia que a gente tava com uma arma apontada para a cabeça dele. Incrível —diz Clarisse.

—Sei lá, não me sinto confortável com essa situação, parece que eles são submissos a nós. Inclusive, Midas, que porra de cobra é essa? —pergunto, me afastando dele.

—Ei, qual o problema com a pequena Medusa? Ela não morde, te garanto. E, particularmente, gosto que sejam submissos a nós. Já fui submisso muitas vezes na minha vida. É o que dizem, né? "Os humilhados serão exaltados" —brinca, enquanto acaricia a cobra, que silva.

Enquanto comemos, quatro garotos vem em nossa direção, com os punhos cerrados e os rostos — nada — amigáveis. Eles batem na mesa, e sentam-se nas cadeiras.

—Eu já vou logo avisando, para que não restem dúvidas. Nós demos duro para chegar à Nova Era e sermos respeitados. Não são 3 protegidinhos que vão tirar isso de mim. O discurso pode até parecer clichê, mas é a realidade. Se você tentar tomar o meu lugar, eu vou enfiar esse cajado em lugares nunca antes explorados, me ouviu bem? —ameaça.

De trás, um garoto — muito maior e aparentemente muito mais forte que os quatro — puxa o Líder pelo ombro.

—Deixa eles, ou vou ter que contar pro Comandante, e tenho certeza que ele não vai ficar nada feliz —ameaça.

—Estejam avisados —finaliza o líder dos quatro, saindo de perto da nossa mesa.

O garoto senta em uma cadeira, ao meu lado.

—Não precisávamos de ajuda —anuncia Midas.

Sério? Por que, na minha opinião, nós REALMENTE precisávamos de ajuda.

—Precisavam sim, não esquenta com ele. Meu nome é Andros, prazer! — fala, com um tom de voz calmo — E, à propósito, cachorro bonito.

—Ah, obrigado. Hermes é uma tranquilidade que só, se você trata ele bem —respondo, afagando o bichinho.

Andros rouba uma batata do prato de Clarisse, que não se importa com a ação.

—Eu me sinto no dever de explicar como funcionam às coisas por aqui, já que ninguém fez isso. Existem 5 equipes, que compõem o Primeiro Exército. A Legião, Os Guias, Os Súbitos, O Legado e às Sombras, que é a equipe que faço parte. Essas 5 equipes se dão bem, tirando por alguns atritos. Como vocês já devem saber, algumas semanas atrás a Nova Era surgiu. Os que já estavam aqui foram ensinados a tratar às pessoas da Nova Era como os próprios deuses. Acabou que vocês ficaram com má fama, e as 5 equipes odeiam vocês do fundo da alma. E, pior ainda, aquele cara ali, o Tiago, espalhou boatos de que vocês 3, os Protegidos, são assassinos, torturadores e qualquer coisa que você pode imaginar. Portanto, todo mundo tem medo de vocês —diz —Os treinos de equipes acontecem diariamente, e, toda sexta-feira têm o que nós chamamos de Batalha Final, onde às 6 equipes se enfrentam, até chegarmos ao Grande Campeão. Porém, para ser inscrito na Batalha Final, você deve vencer a Batalha dentro da sua equipe. É um sistema bem bacana, meritocrata. E, com esse cajado, você vai dar uma surra na galera! —diz Andros, finalizando a fala e apontando para mim.

Exatamente quando ele termina a fala, um apito soa.

—Bom, hora de aula. Vejo vocês por aí, se der sorte.

Um deus à sua portaOnde histórias criam vida. Descubra agora