Todo dia bem de tardezinha, quando o horizonte já começava a acinzentar, um grande lobo apontava lá no início da estrada de areia vindo em minha direção. Ao vir se aproximando, era possível perceber em uma de suas mãos a mala enorme que carregava combinando com seu terno cinza sempre muito bem passado.
Aparentando ser bem calmo com todos da vizinhança, o lobo mantinha um sorriso impecável. Porém, no apressar dos seus passos largos ou quando cometia pequenos deslizes de humor, com o mínimo de esforço era possível perceber algo de fantástico que estava para acontecer...
Aqui em casa a fada empolgadíssima aguardava o lobo chegar. Ela se empenhava ao máximo para deixá-lo feliz, trabalhava o dia todo nos afazeres de casa e se preocupava excessivamente se algo saísse do lugar. Coitadinha... Mesmo quando eu estava de mau humor e não queria brincar, ela insistia até me convencer a fazer o meu papel usando o argumento de que hoje seria melhor!
Quando o charmoso lobo finalmente chegava aqui em casa, ele parecia ir aos poucos se transformando em algo assustador. Rapidamente pegava sua bebida - era uma daquelas que crianças como nós não podem comprar -, se servia e já começava reclamar. Este era o sinal que todo dia a fada combinava comigo, a brincadeira já iria começar! Quando eu percebia o sinal, ficava muito alegre. Subia correndo as escadas para o meu quarto e me cobria com o lençol da cama para que não escutasse nada. Este era o jogo!
Foi a linda fada que me ensinou como jogar, pois naquele momento - ela sempre dizia - o lobo poderia nos pegar! Para comprovar a caçada do lobo, ela me mostrava sorrindo algumas marcas no seu corpo. A cada marca nova que aparecia, era uma história de caçada diferente para imaginar. Óbvio que eu insistia com a fada para que fosse a minha vez de finalmente ganhar uma marca, mas, infelizmente, eu só ganhava o papel da menina que se escondia por toda a casa.Entretanto, neste dia em especial eu devo ter me atrapalhado ao me cobrir com o lençol, ou até mesmo me atrapalhei ao tapar os ouvidos pois entre os meus dedos pude escutar alguns barulhos esquisitos. Sempre muito curiosa, eu confesso que neste dia não consegui resistir. Peguei o meu ursinho de pelúcia mais forte e fui correndo para a escada que desce no primeiro andar. Lá era um ótimo lugar para se esconder pois dava para ver completamente a sala da casa ao mesmo tempo em que olhava para o meu quarto. Ou seja, era um lugar confortável, eu conseguiria voltar correndo para o quarto se por acaso o lobo subisse para me pegar.
Quando olhei para a sala entre um pequeno espaço da parede e o corrimão, assistir algo que não entendi...
O lobo, utilizando de toda a sua força, atacou ferozmente a fadinha inocente que caiu no chão e começou a chorar. Desta vez não parecia estarem brincando, era tudo muito sério! Apreensiva com toda a situação, só me lembro de ver a porta da sala ser destruída por alguns policiais. Eles gritaram forte para o lobo: - se deite no chão!O lobo foi algemado com violência e depois o levaram em direção ao carro parado lá fora. Ao ser empurrado para fora de casa, o lobo olhou espantado em minha direção. Ele me viu ali, chorando sozinha na escada e preocupado se a fada estava ferida. Já eu, consegui ver algo que na hora não fez muito sentido. Eu vi a minha querida mãe machucada, chorando no chão por estarem levando o meu pai para a prisão.
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A FADA E O LOBO (um conto)
Short StoryNa imaginação fértil, dócil e inocente de uma criança, suas relações familiares podem ser fantásticas. Ou será que não?