07. Sementes

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REI DÉRIKO I

Castelo Prime T, Tâmasus, Romênia.
30 de abril de 1955

Manhã
É meu aniversário. Cronologicamente, completo hoje 86 anos, mas, graças ao Vital (nome que Kiara deu ao elixir, alegando ser bem mais elegante do que dizer apenas "elixir") minha idade física é de 37. Assim, vi muita gente que cresci convivendo, morrer subitamente. Cada vez mais esse lugar fica mais vazio de sentimentos, considerações. Não digo por Kiara, nosso amor continua como se fosse sempre a primeira vez, apesar dos desentendimentos normais de qualquer relação. Digo pela contratação de funcionários novos, gente que não faz mais que obrigações, serviços. Eu tinha amigos antigamente. Hoje, apenas pessoas remuneradas para me servir. Penso em quando vou parar com o Vital e finalmente descansar, mas ainda está muito cedo para isso. Não vivi metade do que papai viveu e Tâmasus ainda necessita muito de mim. Mas até quando?

Alguns anos atrás, estourou a chamada Segunda Guerra Mundial no Mundo Externo, e isso agitou os ânimos na parte de dentro das barreiras de Tâmasus depois de 55 anos de nosso reinado. Não entendo o motivo de tanta comoção agora, se na Primeira pouco se importaram. A população começou a questionar o porquê de Tâmasus não tomar partido nessa Guerra e ajudar com as Riquezas que temos, já que a avançada tecnologia destes meios faria o lado escolhido ter grande poder de fogo e grande vantagem também. Mas não é tão simples. Primeiro que Tâmasus falharia com seus propósitos tomando partido em uma guerra que não o envolvesse. Parece egoísmo, mas esse isolamento ajuda a manter nossa discrição e não compromete nossa missão principal: guardar e proteger as Riquezas. Segundo que o propósito das Riquezas não é aumentar o poder de fogo, jamais será. Não foram guardadas por milênios para serem usadas contra a humanidade nem para contribuir com destruições. São instrumentos lendários com várias funções, tão antigos quanto as civilizações modernas. Sua origem é um mistério até mesmo para mim, membro da Realeza, e nem mesmo nós sabemos de todos os seus poderes. O que as civilizações Externas fariam tendo tamanho poder em mãos, sendo que com a tecnologia limitada que têm, já causam tanta discórdia, mortes e destruição? É esse raciocínio que tento transmitir pacificamente a um grupo de tamasianos que surgiu junto com essa Guerra Mundial, composto de várias camadas da sociedade de Tâmasus. Estes se chamam de "Escorpiões" e têm ideias divergentes às nossas. Seu símbolo é uma variação do símbolo tamasiano, que forma a figura de um escorpião, representando (creio eu) controle, vingança e traição. Exigem que o poder e responsabilidade sobre as Riquezas não permaneça somente com a Coroa. Querem a partilha entre todos para que, com a organização deles, sejamos uma grande potência mundial, referência em tecnologia, o que obviamente não foi aceito por nós da Coroa e pela grande parcela de tamasianos ainda simpatizantes às ideias originais. Essa divisão de pensamentos acabou por criar um mal-estar em Tâmasus. Os Escorpiões se organizaram em uma vila chamada Scorpion Place, onde, penso eu, organizam e conspiram algo em relação à toda essa situação. Obviamente conspiram e a vila só faz crescer, mas não quero intervir, impor algo, obrigá-los a entrar nos eixos. Quero um Reino com liberdade para ir, vir e pensar o que quiser. Mas hoje, cada vez mais dou razão a Kiara, que sempre propõe uma intervenção mais forte. Há algo de diferente com aquelas pessoas, posso ver isso. Vejo na maneira como nos olham e temo que podem piorar. Sinto que seus olhos podem tudo saber, tudo ver...

※※※

Está um clima agradável hoje, se ignorar o ambiente pesado pelas ruas próximas a Scorpion Place. Kiara está radiante, mais do que normalmente. Nos últimos meses, andamos preocupados demais com toda essa situação, mas, pelo menos por hoje, ela parece ter deixado as aflições de lado. Acordou cedo, antes de mim, desceu e organizou pessoalmente a mesa de nosso café. Depois andamos um pouco a cavalo tranquilamente, embora os últimos acontecimentos não permitissem. Foi um comportamento incomum para sua personalidade, mas aprecio essas variações de humor que às vezes ela tem. Após o passeio, ela me deixa e vai ter com Elizabeth, sua irmã, dizendo que a traria para jantar conosco. Fico contente que ela tenha uma amiga. Nunca sabemos em quem confiar, mas com Elizabeth parece ser diferente. Estou na biblioteca do Castelo, passo bastante tempo aqui lendo e estudando. Uma válvula de escape, principalmente quando se leva em conta que alguns livros, documentos, mapas e outros objetos só existem aqui em Tâmasus, longe do conhecimento de qualquer habitante fora das barreiras.

Artrópota: Árvore-MármoreOnde histórias criam vida. Descubra agora