seu coração me ilumina (como a hora dourada)

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Sua casa ficava de frente para o sol.
O astro-rei se erguia às escondidas, atrás dos muitos prédios construídos ao leste da cidade que despontava aos pouquinhos - ele não veria uma aurora até os 16 anos, na primeira festa de ano novo que lhe seria permitido permanecer até o final -, mas durante a tarde era possível ver como a luz se espalhava pelo céu preguiçosamente, como mel derramado, e pintava a sala de estar da sua casa com um laranja quente. Jungkook sabia disso porque matava aula de dança para ficar em casa, sozinho, assistindo desenho.
Ele gostava de dançar, claro, e não fazia isso de não ir sempre. Era só quando a chamada da programação infantil parecia muito interessante e Jungkook sentia que assistir as marionetes de bichinho contarem alguma das várias lendas nacionais seria mais divertido do que treinar seu espacate. Aquelas tardes eram especiais para si porque pareciam durar para sempre e ele se estendia ao infinito juntinho a ela; esparramavam-se no sofá em todas as posições que os dois assentos permitiam, tinham as paredes como testemunhas de sua interpretação dos heróis que apareciam na telinha, encostavam a bochecha no vidro da porta para sentir o quentinho do sol. Ele gostava muito de ficar sozinho, então, mas eram momentos em que jamais se sentiu só.
Em uma dessas tardes, durante um ou outro comercial da TV, Jungkook quis puxar as cortinas e ir na varanda para observar a rua movimentada. Subiu na mureta onde ficavam as grades de proteção, como o bom traquinas que era (maluvido, melhor diria sua vovó), e se inclinou a fim de ter uma visão ampla dos pedestres que iam e viam alguns metros abaixo.
Suas mãos apertaram com força a gradinha que segurava quando uma voz desconhecida chamou,
"Ei, cuidado! Desce daí!"
Jungkook olhou para todos os lados, assustado, mas assim que ergueu a cabeça encontrou o locutor bem na sua frente. Um garoto mais ou menos da sua idade o encarava da varada da casa em frente a sua. Jungkook nunca o tinha visto antes.
"Não tem perigo, não," respondeu, pois sempre ficava sentido quando lhe chamavam a atenção daquele jeito. Ele sabia se cuidar.
"Aham, sei," o garoto falou pouco convincente, as sobrancelhas ainda juntas enquanto ele encavara os pézinhos de Jungkook bem acima de onde deveriam estar com segurança.
Jungkook achou graça. Ele parecia verdadeiramente preocupado, quase temeroso, e não bravo com sua imprudência como geralmente ficavam os adultos, ou animado como faziam seus colegas.
Desceu devagarzinho. O garoto suspirou de alívio.
"Como você subiu aí? A casa tá fechada tem tempo," Jungkook quis saber.
"Ah... Eu me mudei para cá ontem de noite com meus pais. Eu não sou daqui, dessa cidade," o outro explicou. Ele balançava o tronco para um lado e para o outro enquanto falava, ou por estar tímido ou por simplesmente ser uma mania, e aquilo fez Jungkook sorrir.
"Qual seu nome?"
"Me chamo Hoseok. E o seu, qual é?"
Hoseok parecia muito simpático para a idade. Jungkook pensou é, ele realmente não parece ser daqui, e foi tomado pela preocupação ligeira de que o outro talvez fosse achá-lo bobo por gostar de se pendurar nas coisas e se comportar como a criança avoada que era. Mas então duas covinhas apareceram nas bochechas de Hoseok quando ele ergueu os lábios, divertido, e mudou completamente a linha de pensamento, "Sabia que sua casa muda de cor? Ontem era verde, agora com a luz do sol parece ser laranja igual uma tangerina."
Jungkook riu, "Por que não pode ser laranja como uma laranja?"
Hoseok deu de ombros duas vezes e gargalhou junto.
Jungkook achou graça da risada dele também.
"Meu nome é Jungkook. Eu moro aqui," informou, esquecendo-se de que o fato provavelmente já era óbvio, "Você gosta de brincar?"
"Sim!" Hoseok respondeu, se balançando energicamente, "Eu tenho um monte de brinquedos, mas ainda vão chegar semana que vem com o resto das coisas da casa. Eu tenho uns carrinhos da Hot Wheels que mudam de cor igual sua varada," completou, divertido.
"Ah, eu não tenho muitos brinquedos... quer dizer, até tenho. Mas quase todos estão quebrados; eles se quebram sozinhos o tempo todo!" Jungkook lamentou, indignado. Seu novo vizinho riu de novo, "Mas eu assisto muita TV, aqui tem uns canais legais. Eu também gosto de brincar de Mosqueteiro, e lá no terraço tem espaço 'pra dar estrelinha... É... Você 'tá fazendo alguma coisa aí?"
"Não... Minha mãe me mandou ficar aqui fora porque eu tenho rinite, e ela tá faxinando tudo. Tem tanta poeira nessa casa...!," Hoseok negou com um muchucho, mas parecia feliz com o convite implícito que lhe estava sendo feito.
"Pede para ela te deixar vir 'pra cá, então," Jungkook disse, esperançoso. Ainda estava cedo, e ele se prontificaria a ir pedir um "por favoooor" estendido e manhoso à mãe de Hoseok se esse fosse o caso. Ele fazia amizades muito rápido, e Hoseok era bem engraçado. Parecia brilhar quando ria, também, mesmo que sua varanda ficasse na sombra do apartamento de Jungkook e não tivesse tanta iluminação assim. Decidiu que queria muito mostrá-lo como sua sala de estar também ficava laranjinha como uma tangerina. "Minha avó tá aqui, não precisa se preocupar!"
Hoseok se animou na hora e sorriu bem grande, em formato de coração.
O sol ficava de frente para sua casa, e Jungkook sabia disso desde que se entendia por gente - mas aquela foi a primeira vez que sentiu que ambos seriam melhores amigos. E de todas as memórias que os dois ainda possuem daquelas tardes amenas, essa é a mais vívida, pois estende-se até o presente.

sob memórias que abraçam Onde histórias criam vida. Descubra agora