Era verão e a noite estava agradável. Estava quente, mas uma forte brisa soprava pela floresta, derrubando algumas folhas das altas árvores que se agitavam. A Lua estava cheia, com seu brilho dourado iluminando tudo, tornando a tarefa ainda mais fácil.
Passos rápidos se ouviam no silêncio do luar e uma agitação incomum acontecia entre aquelas árvores. Um pequeno grupo de pessoas corria pela mata, perseguindo sua presa. Uma caçada. O animal que corria por sua vida, era um grande lobo verde que se perdeu de sua alcateia, um animal grande o suficiente para ser montado por dois adultos e que daria uma boa refeição. O grupo corria com suas lanças e roupas de pele, não conseguindo alcançar a presa, mas também sem perdê-la de vista.
Em pouco tempo, o animal adentrou um campo aberto e parou. A criatura era esperta, sabia que seu tamanho limitaria seus movimentos na floresta, agora exibia suas presas e era cauteloso em cada um de seus passos. O primeiro caçador saiu de entre as árvores e, para sua infelicidade, o lobo o atacou entes que pudesse usar sua lança. Em poucos segundos, ele já estava caído ao chão, com seu corpo quase partido ao meio e com seu sangue tingindo os dentes e a boca do animal, que já se preparava para se defender dos outros que vinham.
Todos, enfim, saíram da floresta. A pelagem do lobo fazia com que ele se camuflasse muito bem na grama daquele campo aberto, mas a mancha vermelha de sua boca o denunciava. Todos viram o companheiro caído morto no chão, mas não podiam fazer nada, o animal se preparava para avançar sobre os quatro remanescentes.
As lanças eram viradas para o animal, que interrompeu seu avanço e o quarteto o cercou. O lobo exibia suas persas, de forma a amedrontar os que o atacavam, mas não era efetivo. Um dos caçadores lançou uma pequena pedra pra atiçar o animal, que se virou para ele e logo saltou. O movimento era rápido, sem dar muita margem para fugas, mas o caçador estava armado e simplesmente postou sua lança no chão, apontando-a para o animal. Ter pulado não foi de tão grande esperteza, pois o lobo não podia se esquivar, então foi empalado pela arma do caçador, morrendo poucos minutos depois.
A caçada havia sido bem-sucedida, mas perderam um companheiro. Perdas eram comuns no ambiente hostil que viviam. Depois da última guerra, os humanos diminuíram muito em número e só restavam pequenos agrupamentos. Os animais também evoluíram, e tomaram o controle. Era como se o planeta não quisesse que os humanos fossem tão numerosos quanto antes, ele não cometeria o mesmo erro. Já haviam se passado centenas de anos, tudo que restava eram as lembranças repassadas nas histórias que se contavam.
...
Os caçadores tinham voltado para seu grupo. Três carregavam o pesado animal, enquanto um trazia o corpo do companheiro morto. As pessoas do agrupamento os recebiam com alegria naquela festividade, cumprimentando eles com um sorriso e reverenciando o cadáver.
O agrupamento era pequeno, possuía cerca de trinta pessoas. Sete casas de madeira, com paredes reforçadas com barro e telhado de sapê, se espalhavam por uma clareira desmatada, mas deixando um grande espaço ao centro. Uma cerca de troncos circundava o território, servindo de proteção contra os animais que poderiam atacar, e tochas iluminavam todo o lugar.
Duas fogueiras foram preparadas, uma grande e uma pequena. Depois do animal ser limpo e preparado, todos se juntaram em um semicírculo, voltados para as duas fogueiras que ainda não haviam sido acesas. Uma mulher idosa estava de pé em frente as pessoas do agrupamento. Rugas preenchiam sua pele flácida e seu corpo encurvado se apoiava em uma bengala bem polida e com algumas tiras de corda trançada, a líder daquele agrupamento.
_ Hoje é um grande dia. - Disse a idosa com voz alta e clara. - Hoje celebraremos a vida e morte. - Sua voz era audível para todos que ali estavam e ninguém fazia barulho, prestando total atenção ao que ela dizia. - Cinco de nossos mais jovens rapazes alcançaram a maturidade e, agora, já podem se tornar homens e assumirem responsabilidades maiores e receberem punições mais severas.
Neste agrupamento as pessoas alcançavam a maior idade aos quinze anos. Os homens assumiam a maioria dos trabalhos braçais, enquanto as mulheres cuidavam das atividades mais intelectuais, porém haviam variações dependendo da aptidão que a pessoa demonstrava.
O agrupamento esperava que até que cinco rapazes alcançassem a maior idade, para assim fazerem um festival onde eles caçavam para alimentar seus companheiros em uma noite de fartura. E quem dirigia a cerimônia era sempre aquela mais velha que já tenha alcançado a liderança.
_ A morte sempre nos cerca. - Continuava a idosa. - Seja na morte de uma presa caçada, seja na morte de uma planta colhida, seja na morte de um companheiro.
A anciã voltou seus olhos para dois homens que carregavam o companheiro morto, que estava envolto em uma espécie de planta altamente inflamável. Todos observavam enquanto o corpo era posto sobre a pequena fogueira.
_ Infelizmente, hoje, um de nossos garotos morreu – A idosa voltou a falar. - Mas não devemos ficar tristes, sua morte faz parte do ciclo. Nós caçamos e matamos para sobreviver, e estamos sujeitos a sofrer o mesmo pelos animais que também o fazem. O animal que comeremos desejava sobreviver e lutou por isso, assim como nosso companheiro que lutou para nos alimentar. Quando comermos do animal, sua força virá para nós, assim como a força de nosso companheiro voltará para a Terra, nutrindo-a e gerando nova vida. - Um breve silêncio se faz. - Ele fará falta em nossas vidas e infelizmente não poderemos revê-lo. Devemos manter, em nossas memórias, os momentos bons e ruins, pois cada instante que vivenciamos ao lado dele é um fragmento da eternidade de sua existência. Não devemos remoer o que poderíamos ter feito enquanto ele estava vivo, mas devemos pegar isso e guardar como aprendizado. Com esse aprendizado, devemos fazer aos vivos aquilo que nos arrependeríamos se não pudéssemos fazer ao partirem. Então aproveitem o presente, pois a vida é frágil e não sabemos quanto durará. Aproveitem quem está ao seu lado, pois não se sabe quando se afastarão. Tudo deve ser vivido e, tudo que perceber que poderia ser feito diferente, faça diferente quando tiver a oportunidade.
O silêncio reinou e os familiares do companheiro morto pegaram uma das tochas e acenderam a fogueira em que o corpo estava. O fogo cresceu rápido, encobrindo o corpo. As chamas se estendiam com força, como se pudessem tocar o céu, e tremulavam como se fosse o braço do garoto em um aceno de despedida. Então todos permaneceram de pé, em silêncio, até que a última brasa do companheiro, se apagasse.
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Contos de um homem comum
Ficción GeneralEsta história tem a finalidade de exibir os contos que escrevo de forma a exercitar a criatividade. Estão aqui dispostos para entreter e/ou servirem de inspiração. Tento postar semanalmente. Façam bom uso. ;)