Capítulo único

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Quando eu naturalmente abro os olhos, eu vejo você.

Quem é você?

(dayfly - Dean feat. Sulli e Rad Museum)


     Meus olhos abrem-se lenta e preguiçosamente. Aos poucos a consciência espalha-se por meu corpo, acordando cada músculo, cada centímetro de pele, até que eu esteja desperta. Antes de ver qualquer coisa, eu sinto. Sinto o confortável calor dos lençóis e do sol entrando pela janela semiaberta e sinto o cheiro de cigarro, álcool e perfume. Sinto também a companhia de alguém. Aquela sensação de não estar sozinha. Meu rosto tomba para o lado no travesseiro e eu o vejo deitado ao meu lado, olhando diretamente para mim.

     Seu rosto não é nada extraordinário ou etéreo com os dos caras dos meus sonhos, o que me denuncia que isso não é um sonho. Ele é muito bonito, mas comum. E o mais importante que tudo: eu não tenho a menor pista de quem ele é. Os olhos castanhos escrutinam meu rosto como se nele houvesse algum tipo de resposta para uma pergunta universal. Eu não sei como agir, ou se deveria agir. É a primeira vez que acordo nessa situação, nua na cama de um estranho.

     - Quem é você? - a pergunta escapa de minha boca como por reflexo.

     Ele apoia o peso do corpo em um dos cotovelos, deitando-se de lado.

     - Quem é você? - ele devolve minha pergunta, as sobrancelhas escuras franzidas.

     Esfrego o rosto, confusa, tentando recobrar qualquer tipo de memória sobre a noite anterior. Eu fui a alguma festa? Eu o conheci em alguma boate ou em um show? Nós bebemos e perdemos o controle? É a esse tipo de conclusão que minha lógica quer chegar, mas minha intuição não acredita que tenha sido assim. Eu me lembraria. Não importa o quanto tenha bebido, eu me lembraria de qualquer coisa sobre o dia anterior.

     - Você sabe o que aconteceu ontem à noite? - eu pergunto a ele delicadamente.

     Ele parece envergonhado quando sacode a cabeça negativamente.

     - Não tenho absolutamente nenhuma memória sobre ontem - sua voz soa pessimista. - Nada.

     - Eu também não - digo.

     Encaramo-nos durante muito tempo, sem dizer uma palavra sequer, desconfiados um do outro e ao mesmo tempo de certa forma aliviados por ambos não lembrarmos do que aconteceu. Acho que seria humilhante para uma das partes se a outra não se recordasse. Nesses intermináveis segundos, eu estudo o rosto dele enquanto ele estuda o meu e sei muito bem o que ele busca: algum tipo de familiaridade. Minha mente entra em frenesi tentando reconhecer o rosto dele e estou certa de que a mente dele também.

     Até que ele desiste.

     - Vou tomar um banho - diz, levantando-se da cama sem nenhum pudor.

     Ele está completamente nu e eu também, mas nenhum de nós parece se importar muito com isso agora. Não me envergonha que ele me veja sem roupas, mas conversar com ele me deixa extremamente constrangida. Exposta demais.

     Observo o quarto ao meu redor e não vejo nada de especial. Não estamos num hotel nem nada do tipo, mas sim num quarto bagunçado e apertado de apartamento, com um banheiro e uma cômoda de madeira. E a cama. Os lençóis e travesseiros são brancos e o edredon é cinza e não há um único quadro, livro ou roupa no quarto que possa pertencer ao seu dono. Vejo as roupas do cara que está comigo espalhadas pelo chão junto com as minhas e me apresso até elas para tentar descobrir algo. Fuço os bolsos da jaqueta de moletom azul dele e de sua calça jeans rasgada, mas encontro apenas um maço de cigarros e uma moeda de dez centavos. Também não há nada nos bolsos da minha calça além de fiapos jeans. 

dayfly.Onde histórias criam vida. Descubra agora