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Dizem que quando chega o fim você lembra do começo.

...

A primeira vez que Donghyuk colocou os olhos em Jisung, ele tinha doze anos e uma mente fértil cheia de perguntas, mas que sua mãe com os olhos marejados, enquanto segurava o pequeno bebê nos braços, não poderia responder de pronto. Foi filho único por um pouco menos da metade de sua vida, entretanto, naquele momento, decidiu que não poderia ter recebido um presente melhor.

A vida lhe trouxe grandes reviravoltas, mas a maior delas foi quando aqueles olhos pequenos se abriram e depois fecharam logo em seguida, com as gengivas brilhantes a mostra diante do choro sofrido da criança. Sua mãe fazia carinhos na pele sensível o acalentando com sussurros, o garoto não conseguia esconder sua preocupação, mas seu pai o acalmava falando que bebês eram assim mesmo.

De fato, seu pai estava certo, pois os primeiros meses de vida do irmão foram regados aos berros nos horários mais inconvenientes, mas Donghyuk não conseguia se chatear, principalmente quando aquela bolinha de pele e baba agarrava seu dedo com força extrema para alguém tão pequeno e sorria sem dentes de um jeito que mais tarde ficaria característico.

Estava encantado e apaixonado, um irmão não era exatamente o que queria, pois gostava de ser filho único, talvez porque não sabia que seria tão incrível ver outro ser crescer tão de perto. No entanto, Jisung lhe acrescentou muito além do que apenas mais um laço, ele lhe fez companhia em todos os bons momentos e, infelizmente, em todos os ruins.

Donghyuk tinha dezesseis anos quando seus pais sofreram um acidente de carro, seu pai morreu na hora, mas sua mãe passou alguns dias no hospital. Não deixaram que Jisung se despedisse dela, afinal, sua mente de quatro anos ainda não conseguia processar o porque dela nunca mais voltar. Como não conseguiria nos próximos anos também.

O adolescente ficou com ela até o ultimo segundo, os olhos que perdiam o foco em meio a lampejos de dor, lhe lembravam das palavras que disse naquele mesmo hospital no dia em que seu irmão nasceu, cuidaria dele e jamais o abandonaria. Foi, então, ao som do incessante bip da máquina anunciando o fim da vida de sua mãe que ele ditou aquela mesma promessa.

Jisung foi tudo o que restou de sua família, seus tios não eram próximos aos pais, por causa de uma briga na família anos antes e esse era o grande motivo de morarem fora do país onde nasceu. A casa estava paga e, a partir daquele momento, em seu nome, não precisava se preocupar com onde morar. No entanto, Donghyuk era só um garoto que teria ser mais do que isso para seu irmão.

Os primeiros anos foram os mais difíceis, as lembranças daqueles que se foram ainda estavam frescas nas memórias da criança e o adolescente não conseguia um trabalho de meio período que pagasse o suficiente para continuar com a vida que estavam acostumados, entretanto, assim como as noites de choro diminuíram com o tempo, ambos criaram novos costumes e aprenderam a viver com o que tinham. Um ao outro.

O casal de professores, que ensinavam na escola de Jisung, se tornaram amigos próximos com o passar dos anos, gostaria de poder agradecer a eles mais uma vez por isso, por tudo. Taeil e Joohyun o aconselharam e o ajudaram quando era só um estrangeiro jovem demais com uma criança para criar.

Donghyuk tinha vinte e um anos quando conheceu Mark Lee, o canadense que havia mudado para a casa do lado. Negou gostar ou se interessar pelo loiro atrapalhado, porém, o namoro começou no mesmo ano em ele chegou a cidade. Jisung foi o grande influenciador, afinal, o garoto adorava o mais velho e o irmão estava disposto a fazer de tudo para o manter feliz.

Mark era gentil, falante e engraçado não foi difícil se apaixonar por ele. Os três anos que passaram juntos são as lembranças favoritas de Donghyuk. Se fechasse os olhos, conseguia sentir o gélido do primeiro beijo e nem o frio cortante do sul da Pensilvânia conseguia quebrar a perfeição do momento. Donghyuk o amava, antes e agora, mesmo que tenha demorado para aprender que podia.

Seus tios insistiam em visitar algumas vezes, falavam que queriam saber como estava cuidando de Jisung, da primeira vez acreditou que iriam o levar embora, mas eles não pareciam querer reconstruir laços. Então, ainda com a implicância com tudo o que fazia, desde a roupa que vestia até o lugar onde trabalhava, Donghyuk deixava que vissem o seu irmão algumas vezes no ano.

Devia ter cortado o laço como sua mãe, impedido que se aproximasse como seu pai, mas quando pensou em fazer já era tarde demais. Quando seu tio, descobriu que namorava um garoto, o ameaçou. Nos meses seguintes, recebeu visitas de advogados, mas todos eles lhe asseguraram que ninguém poderia lhe tirar Jisung, talvez por saber disso, ele decidiu tomar medidas mais drásticas.

O destino foi gentil. Na noite em que invadiram a casa, que os pais escolheram a dedo e pagaram com as economias de anos de trabalho, o barulho ensurdecedor da porta da frente se estraçalhando com o tiro não acordou o menor, seu irmão estava dormindo junto aos amigos, os filhos dos professores em quem confiava, eles iriam cuidar de Jisung.

Acreditava nisso, então não resistiu logo de cara, continuando deitado na cama, sem ação alguma, sem receio. Talvez por saber quem eram, mas a verdade era que estava cansado de lutar. Porém, Mark ao seu lado não deixou que se entregasse, o levando em silêncio para a porta dos fundos e o ajudando a fugir, mesmo que em vão.

De todas as situações impossíveis e dores que sentiu, se despedir de Mark foi a pior delas, talvez doesse mais porque era sua culpa, mas guardaria o último beijo dado às pressas, como um carinho na alma, enquanto corria para fora da casa, lembraria do último 'eu te amo' antes de fechar os olhos para fugir do medo diante da perseguição. Uma adrenalina que não o pertencia, movendo suas pernas com velocidade.

Acreditava que aquele era seu destino, pois foi por uma sucessão de eventos predestinados que chegou até ali. O asfalto frio sob o céu em um azul escuro, os barulhos da madrugada não mascaravam os tiros nem seus gemidos de dor pela pele perfurada. Suas lágrimas eram salgadas, mas as de Mark também eram quando ele aceitou seu fim.

Se morreria por o amar, aceitaria sabendo que foi feliz, afinal, não poderia reclamar tanto assim da vida que teve. Podia ter sido pior. Fechava os olhos relembrando os barulhos de tiros e o clarão nas janelas que significava o fim da vida ao lado dele e as palavras derradeiras que foram declarações de amor. Não se importava em morrer por aquilo, foi o que disse a noite solitária, antes do último suspiro.

Donghyuk tinha vinte e quatro anos quando morreu.

A sucessão de fatos que o levou aquele momento, não o entristecia. Do momento em que seus pais tiveram Jisung, passando por quando conheceu Taeil e Joohyun, até o último beijo compartilhado com Mark. Não se arrependia de nada, não mudaria nada. Estava feliz por ter lutado por mais um pouco, pois no céu azul cheio de estrelas, ouviu o choro sofrido do bebê e soube que era sua lembrança favorita mais um vez, o acalentando. A visão das memórias felizes de uma vida cheia de altos e baixos mesmo que curta, era um sinal dos tempos, do fim.

...

Na fração de segundos entre a vida e a morte, somos eternos. 

Sigh Of The Times | [markchan]Onde histórias criam vida. Descubra agora