Capítulo Único

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Ram sabia que alguma estava errada assim que acordou no gramado com a garrafa de água na mão e não encontrou King ao seu lado. Algo nele apenas sentia a aproximação do perigo, o que se confirmou assim que os grunhidos e latidos chegaram aos seus ouvidos. Procurou atentamente pela fonte do barulho e encontrou o que temia acontecendo não muito longe dali. A cena seguinte aconteceu rápido demais, King esteva entre um homem que claramente se encontrava em situação de rua e um cachorro amarrado a uma árvore, nada daquilo parecia fazer sentido.

O veterano se virou para tentar se aproximar do cachorro após ter afugentado o homem que saiu uivando, no entanto, o último juntou do chão um tronco de árvore que havia caído. Ram não teve tempo nem de gritar quando viu o homem atingindo King em cheio na cabeça com o pedaço de madeira. Seu veterano gritou e caiu no chão, enquanto o mais novo disparou em direção ao acontecimento chegando a tempo de segurar o segundo golpe do homem.

Ram olhava furioso para o homem, apertou a garrafa de água tão forte em sua mão que a tampa voou do bico espirrando o líquido. O homem, assustado, saiu correndo balbuciando deixando Ram com pouco tempo para pensar, mas com milhares de coisas brigando em sua cabeça. A visão dele escureceu por um momento.

— P'King, P'King, P'King... — repetia.

Seu peito doía, da mesma forma que doeu quando descobriu a traição de seu pai e sua melhor amiga, da mesma forma que doeu quando teve que olhar nos olhos de sua mãe e Ruj pela última vez antes de fugir de casa com seus cachorros. Já era demais para ele lidar e agora isso.

Ram buscou com as mãos trêmulas seu celular e discou o número da ambulância, informando o que havia acontecido e onde estavam. Após desligar, retirou a jaqueta e com o máximo de esforço para mexer o mínimo possível o corpo de seu veterano, posicionou a peça de roupa embaixo da cabeça de King, no lado onde este não havia sido atingido.

Atendeu o cachorro em seguida, Ram desamarrou o bichinho da árvore e o acalmou. Após o cachorro deitar-se aos pés de King, Ram mandou uma mensagem para a ONG que cuidava de animais que tinha contato - e que por sorte não ficava muito longe dali - relatando que precisava de ajuda e que um acidente havia acontecido. Uma das moças que voluntariava lá chegou correndo sete minutos depois da mensagem, ela conhecia Ram e sabia que ele não era de muitas palavras então só olhou a cena de Ram ajoelhado ao lado de um outro homem com um misto de curiosidade e preocupação, mas saiu carregando o cachorro consigo sem questionar muito, só disse que mandaria uma mensagem a Ram depois sobre a situação do bichinho.

Ram, agora sozinho com seu veterano, olhava para ele enquanto tentava entender tudo o que aconteceu. Ele sentia raiva, queria ter batido naquele homem até suas mãos doerem, queria punir quem quer que tivesse deixado o cachorro amarrado a árvore, mas ao mesmo tempo sentia medo. Medo da violência que havia acontecido, tanto a King quanto ao cachorro, e desejava que ambos ficassem bem.

Quando a ambulância chegou, entrou na mesma junto com King. Ficou em silêncio enquanto se deslocavam até o hospital, sabia que seu veterano ficaria bem, é claro que ficaria, ele era P'King.

O mesmo que insistentemente tentava se comunicar com ele desde que se viram pela primeira vez, o mesmo que havia lhe ajudado a entender o conteúdo difícil da prova, o mesmo que havia gravado seu nome em um lápis novo e o abençoado quando havia perdido o seu da sorte. O mesmo que parecia saber ler seus pensamentos, o mesmo que havia lhe dado abrigo durante os difíceis dias anteriores...

Então Ram começou a chorar, ele não aguentava mais aquelas dores constantes em sua vida. Seu corpo inteiro pesava com tudo que estava acontecendo, ele mal vinha conseguindo dormir nos últimos dias e agora a pessoa que estava sendo sua fortaleza se encontrava desacordada em sua frente.

Você ainda é um mistério para mim / You're still a mystery to meOnde histórias criam vida. Descubra agora