Capítulo 4: Hibisco com maçã

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Passava das 10:00h da manhã quando o corpo de Sam começou a dar os primeiros sinais de querer acordar, bem como os primeiros sinais de dor nas costas por dormir no sofá, que passava longe de ser desconfortável, mas que não se comparava à cama king size de Harry.

A primeira coisa que Sam fez ao acordar foi conferir se a porta do quarto de Harry continuava trancada e, sem surpresas, estava. Sam decidiu aproveitar a oportunidade para preparar um café da manhã e, quem sabe, se reconciliar com o namorado. Sabia que Harry poderia se fazer difícil, mas não resistiria ao sentir o aroma de seu chá preferido sendo preparado na cozinha. Hibisco com maçã. O cheiro adocicado do chá não tardou a se alastrar pelo apartamento, e Harry saiu do quarto, mesmo contrariado. Harry não trocou nenhuma palavra com Sam, apenas pegou uma tigela de cereal com leite e uma xícara de chá e sentou-se no sofá, evitando olhar para Sam, sentado a mesa, também com sua própria tigela de cereal. Assim que se sentou, ainda em seu pijama, Sam tentou uma aproximação:

-Eu sabia que você não iria resistir a um chá de hibisco com maçã.

Harry tentou manter sua impassibilidade, aumentando o volume da televisão e enfiando de uma vez uma colher cheia de cereal na boca. Parecia, aos olhos de Sam, um pequeno esquilo mastigando, e sua feição fechada só deixava tudo mais cômico e incrivelmente adorável. Enquanto esses pensamentos perpassavam por sua cabeça, uma chave foi ativada em sua mente, dando-se conta, de súbito, de quão grande era o seu amor e como a maneira que agiu tinha ferido seus sentimentos, e o mais importante, o quanto não queria perdê-lo.

Na televisão, em um volume estrondoso, refletia-se a realidade do mundo fora do cubículo de concreto em que estavam presos. O número de mortos pela doença que assolava a população crescia exponencialmente, e a preocupação de Harry crescia na mesma proporção. Sua ansiedade se manifestava de diversas maneiras, e ter que guardar isso para si no meio da crise que seu relacionamento enfrentava não só fazia mal para seu psicológico, como para seu corpo, nas unhas roídas, na enxaqueca e no aperto no peito que parecia esmagá-lo cada vez mais. Sam lidava melhor com a situação, e sua vontade de ajudar Harry a tratar daquilo como ele era grande, porém impossível com a relutância de Harry em perdoá-lo por completo, embora já dissesse tê-lo feito, pois isso foi antes de receber a mensagem de Anthony na noite passada. Aquela maldita mensagem.

Vendo-se sem alternativas, Sam recorreu a um artifício que era sua especialidade: o humor. Posicionando a colher que usava na beirada da mesa de vidro retangular da sala de jantar, com o cabo voltado para fora e com um pedaço de cereal de milho na cuba que leva-se à boca, fez daquilo uma espécie de catapulta, mandando com toda a força o cereal na cabeça de Harry, que controlou o riso a muito custo. Sam lançou um segundo cereal, que caiu sobre a perna esquerda de Harry, ainda mordendo o beiço para não rir. O terceiro cereal foi o estopim. Este acertou em cheio a tigela de Harry, fazendo o leite respingar em sua testa, e não conseguiu fazer outra coisa senão rir. Sam se aproximou e beijou sua testa, fazendo desaparecer o líquido branco, e a seguir moveu para trás uma mecha de cabelo que caía sobre sua fronte.

Harry finalizou seu chá e Sam se ofereceu para lavar a louça do café da manhã.

-É o mínimo que você pode fazer. - Disse Harry, remoendo o caso. - Alexa, toque a playlist "Bom dia com Alegria" - pediu para a assistente eletrônica.

A playlist era repleta de músicas animadas para começar bem o dia, e a primeira a tocar foi "Youth" do australiano Troye Sivan. Enquanto Sam ensaboava as tigelas e xícaras usadas pelo casal, Harry abraçou-o por trás e começaram a se movimentar no ritmo da música. Sam apertou o nariz de Harry com o dedo indicador cheio de espuma, mas ele não pareceu se importar, inclusive levou suas mãos até as de Sam, deixando o sabão se espalhar por seus braços também. Depois de algum tempo, Harry largou seus braços e foi tomar um banho e se trocar, afinal já era quase hora do almoço e ainda estava de pijamas.

Sam ficou sozinho na sala enquanto o banheiro era inundado pelo vapor do chuveiro, e a campainha soou. Correndo para atender, Sam olhou pelo olho mágico e a desagradável surpresa que recebeu foi a visita da vizinha, a Sra. Rose.

-Será que o senhor poderia me explicar o porquê desse barulho aqui dentro perturbando a vizinhança? - Inquiriu a síndica - ainda mais um lixo desses? - Referia-se à música que tocava naquele momento, Born this Way, da Lady Gaga.

-Primeiramente, Sra. Rose - disse Sam, contendo sua raiva - a senhora foi a única vizinha a reclamar, e além disso "esse lixo" como a senhora disse, arrecadou milhões de dólares para combater a pandemia que estamos vivendo, e você? fez o que além de ficar reclamando o dia todo? Aliás, por falar em pandemia, o que a senhora está fazendo fora de casa sem usar máscara? Seria uma pena se os outros vizinhos vissem esse mau exemplo.

Rose calou-se, atônita. Sam finalizou, citando um verso da música que a estava incomodando:

-Don't be a drag, just be a queen. - E bateu a porta com força, trancando-a em seguida.

-Quem foi que tocou a campainha? - Indagou Harry, de toalha, saindo do banheiro e deixando para trás uma nuvem de vapor d'água.

-Adivinha. - Rebateu Sam, revirando os olhos em tom de deboche.

-E o que você disse?

-Melhor deixar isso para lá.

-Você ainda vai me fazer ser expulso do prédio.

-Não seria tão ruim, você poderia vir morar comigo.

Harry se mostrou embasbacado, aquele era um grande passo para um relacionamento.

-Ou... - Sugeriu Harry - você poderia morar aqui.

-Se sobrevivermos a essa quarentena juntos, discutimos isso.

Harry foi até o quarto para se trocar, e Sam continuou aproveitando a música, como não houvesse muito o que fazer, então restava aproveitar essas mínimas coisas da vida. Uma boa música. Um chá quente. A companhia de Harry.

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