Desejos profundos

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—Quarenta livros? É humanamente impossível lermos tudo isso —digo, olhando para a pilha de obras amontoadas na escrivaninha.

—E isso foi só o que achamos, é provável que tenham mais —retruca Clarisse, enquanto organiza os livros —Pelos meus cálculos, cada um ter que ler um livro e meio por dia, para que possamos acabar em tempo hábil. Eu sugiro que comecemos agora.

Midas já iniciou este processo. Na cama, ele lê uma das obras e anota em um papel ao lado. Seu ritmo de escrita e leitura é frenético. Por mais que ele esteja se dedicando, não consigo olhar para sua figura sem sentir repulsa.

Hermes late de forma agitada, olhando para a porta.

—Tranquilo, tranquilo —digo, fazendo sinais e chamando o cachorro, que não se abala —Ah, era só o que me faltava —retruco.

Vou em direção a porta e saio para a biblioteca. Hermes vem ao meu lado, rosnando para o vento. Ele rosna para uma estante, onde, aparentemente, não há nada de anormal. Todavia, o cachorro avança no nada.

Ele não morde e nem encosta em nada. Mesmo assim, um livro cai da prateleira. O barulho é alto e ampliado por conta do eco. Presto atenção na obra, que emite um brilho branco. Não é o tipo de brilho que te cega, mas, definitivamente, o tipo de brilho que te atrai. Ainda mais quando ele sai de um livro que provavelmente não é tocado há dezenas de anos.

Pego o livro do chão. Hermes dá um pequeno rosnado e cheira a obra. Eu não a abro, por mais que tenha vontade. Me sinto tentado em colocar o livro de volta no seu lugar, porém, em condições como essas, não creio que seja uma boa ideia. Entro no quarto e jogo o livro em cima da mesa.

—Achou mais um? —pergunta Clarisse.

Nego com a cabeça.

—Não, este é especial. Você não vê? Ele está brilhando —indico.

Clarisse e Midas param o que estão fazendo e prestam atenção em mim.

—Será que é seguro abrir? —questiono, amedrontados.

—O que poderia dar de errado? —pergunta Midas, em uma contra-pergunta.

Odin não nos mandaria para cá se soubesse que isso poderia representar algum perigo à nós. Por outro lado, penso que, se ele não conseguiu nem impedir que Midas tentasse matar Andros, como poderia impedir que nós nos machucássemos?

—Nada —retruco, indo contra os meus pensamentos.

Clarisse concorda com a cabeça. Vai em direção ao livro e o abre, bem no meio.

—Bem, é um livro que brilha. Não tem nada de anormal a não ser o brilho —diz.

Realmente, não há nada de anormal. Só um amontoado de palavras e letras e um brilho estranho — não o suficiente para ser um feixe — sai do miolo. Eu me aproximo da obra, com cuidado, mas, a princípio não há o que temer. Passo a mão pelo papel, que está carcomido por traças. A biblioteca quase não recebe luz solar, logo, às obras estão mofadas e, a maioria delas, estragadas.

Não há nada de diferente de uma obra qualquer, a não ser por este brilho estranho. Hermes, porém, tem outra opinião. O animal — com todo o seu tamanho de Dobermann — sobe na mesa e derruba a pilha de livros. Clarisse dá um gritinho. O cachorro fareja a obra brilhante, alternando entre rosnados e latidos.

Desce da mesa e vai até minha cama. Ele começa a latir para o meu cajado.

—Qual é o seu problema? —pergunto para o animal, enquanto pego o objeto.

Um deus à sua portaOnde histórias criam vida. Descubra agora