Tudo num dia, entre quarto paredes

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   Se Lourença pudesse descrever a sua mente, com certeza a comparava com um quadro abstrato. Não existia uma lógica nos seus pensamentos, agia talvez um pouco por impulso, o que lhe trouxe experiências incríveis.
   As suas memórias não estavam organizadas por datas ou por aquilo que a emocionou mais. Elas andavam espalhadas pela sua mente, mas não se perdiam, pois, quando a Lourença as evocava elas apareciam. Não fazia distinção entre os seus sonhos e aquilo que viveu realmente. Para ela, tudo se resumia a recordações. Como a primeira vez que provou o bolo da avó.

   A Lourença tinha por volta de seis anos quando a avó fez pela primeira vez bolo de iogurte. Lembra-se de chegar a casa dos avós depois da escola e a avó dizer-lhe que fez uma coisa diferente para o lanche dela e do irmão gémeo. Nunca antes a avó lhes tinha dado só bolo ao lanche, normalmente teriam que comer pão antes. Lourença ao provar a grande fatia que a avó colocou à sua frente deliciou-se com o seu sabor.

   - Gostas minha neta? - perguntou-lhe a avó.

   - Sim, é de que? - perguntou à avó empolgada.

   - É bolo de iogurte de ananás. - respondeu-lhe.

   A partir daquele dia não pedia mais coisa nenhuma a não ser aquele bolo.

   Com esta recordação veio agarrada uma com a sua melhor amiga, a Leonor. conheceram-se por volta dessa altura e desde então tiveram sempre unidas, nos bons e maus momentos das suas vidas. Não tinham tão pouca idade, talvez uns 11/13 anos quando fizeram um video juntas. Gravaram-se a falar sobre o futuro, tendo como objetivo transmitir uma mensagem para elas no futuro.

   Todos os momentos ao lado de Leonor eram únicos e nenhum era exceção. Uma palavra num dia normal de escola marcou-a. Lourença nunca se esqueceu do "Adoro-te" que Leonor prenunciou numa tarde em que estavam a percorrer o corredor em direção à sala de aula.

   Havia tanta coisa que Lourença queria agradecer à amiga, principalmente por ter estado em todas as suas competições de natação. Ela achava que para a melhor amiga era uma seca ver pessoas a nadar, mas mesmo assim ia vê-la.

   Nadar era o que deixava Lourença mais feliz, mesmo em competição. Ela não se deixava ir a baixo com uma derrota, nadava porque gostava e não se importava que houvessem pessoas melhores que ela. Os treinadores é que não gostavam, por perderem títulos, mas ela não lhes ligava quando eles lhe davam um ralhete desnecessário, porque ela sabia na maioria das vezes no que errara. 

   O seu irmão gémeo era como ela, ambos competiam e adoravam nadar. Normalmente quando tinham tempo iam de mota até à praia. Foi aí que Lourença começou a apreciar e a gostar do som das ondas do mar. Coragem não lhes faltava, metiam-se dentro do mar num piscar de olhos, mesmo estando a água gelada. 

   Foi com o irmão gémeo e os amigos que explorou o país. A viagem pelo país trouxe-lhe tantas coisas boas, sentiu-se independente dos pais e capaz de sobreviver sozinha. Nesta viagem o que também a ajudou a sentir-se concretizada foi o facto de ter ajudado uma senhora que deixou cair umas 15 latas de ração para gato num supermercado em que se encontrava a fazer compras para o jantar dela e dos amigos.

   Os amigos e família eram bastantes importantes na vida dela, mas também havia um espacinho especial no seu coração para o seu namorado. No seu dia à dia lembrava-se dele quando via a cor verde, a sua preferida. Ao ver a cor recordava-se dos dois papelinhos que Rodrigo, o seu namorado, lhe deu antes do namoro entre eles ser oficial. Nesses papelinhos ela teve que optar por uma cor e em ambas escolheu a cor verde. Um dia, após o Rodrigo ter conhecimento das escolhas de Lourença, ele preparou numa caneca verde chocolate quente e ofereceu-lhe para tomar, quando estavam a estudar em casa dele. Nessa tarde de estudo Lourença apercebeu-se que Rodrigo estava inquieto e não desviava os olhos da caneca. Não compreendia aquela inquietação da parte dele, até ter bebido todo o conteúdo que se encontrava na caneca. No fundo dela um frase estava escrita, Lourença achou estranho e quando leu ficou emocionada e sentiu a felicidade a percorrer-lhe o corpo, não estava à espera daquilo. "És a minha namorada" era o que dizia no fundo da caneca verde, que a partir daquele dia sempre serviu-se dela ao pequeno-almoço.

   Todas estas memórias que foi recolhendo ao longo da sua vida foram recordadas enquanto estava no seu quarto no dia 23 de março de 2013, início da primavera, horas antes de morrer.

A morte não lhe causou impressão, não teve medo, era feliz e vai continuar a sê-lo para onde que que tenha ido. Era nova. morreu com 17 anos, "ainda era uma criança", para ela viveu o suficiente, experieenciou aquilo que queria, talvez até quisesse experiênciar mais, porém, não podia mudar o dia da sua morte.

Isto é estranho de se dizer mas uma vez ela leu " um dos momentos mais felizes da vida é quando tu encontras a coragem de deixar  aquilo que não podes mudar."  

A morte foi o último momento da sua vida e também um dos mais felizes, pois, ela teve a coragem de deixar aquilo que não podia mudar.

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