Havia uma ilha que era, ao mesmo tempo, um país muito bem organizado, dividido em clãs formados por tribos diversas, mas com a mesma língua e o mesmo temperamento e eram conhecidos como GADO pelas outras ilhas. Como havia diversas regiões, convencionaram que uma delas seria a capital da ilha e que nela haveria um Chefe de Tribo, um Conselho de Anciãos para criar leis e um Conselho de Sábios para cuidar para que essas leis fossem justas e cumpridas por todos.
Para que isso não ficasse disperso, escreveram um Código com as leis que deveriam ser seguidas por todos.
Esse documento era tido em alta conta por todos, pois garantia ao Gado direitos inalienáveis, como a cidadania, a dignidade de cada ser humano, os valores sociais e a liberdade do trabalho e a direito de questionar alguma lei que eventualmente o afetasse. Afinal, todos acreditavam que o poder vinha do Gado, que escolhia o Chefe da Tribo e os Conselheiros Anciãos e estes, por sua vez, escolhiam os Sábios.
Tudo deveria funcionar perfeitamente, porque os poderes que governavam o Gado eram harmônicos e independentes.
Todos acreditavam que, juntos, eles tinha como objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento da ilha, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Por tudo isso, acreditavam que a ilha prosperaria, mas a cada nova eleição feita pelo Gado, repetiam-se os mesmos erros: todos queriam apenas se locupletar, viver no luxo, explorando o Gado, que não fazia outra coisa a não ser recolher tributos para sustentar a vida opulenta e folgada de seus dirigentes.
Alguns clãs se alternavam no poder, fosse como Chefe de Tribo, fosse como Ancião Conselheiro e, sob o beneplácito dos Sábios, que não eram eleitos, mas indicados vitaliciamente pelo Chefe da Tribo e aprovados pelo Conselho de Anciãos.
O gado vivia descontente, mas não vislumbrava saída para esse estado de coisas. Quando chegou o tempo de uma nova eleição de Chefe de Tribo e os clãs poderosos já haviam marcado as cartas para as escolhas de Chefe e Anciãos, surgiu um guerreiro, sem muita expressão, desacreditado, sem recursos para realizar a divulgação de sua plataforma de governo, mesmo fazendo parte do Conselho de Anciãos. Ocorre que esse Guerreiro era conhecido por suas posições firmes, seu apego à justiça, honesto, sem papas na língua, que aceitou concorrer a Chefia da Tribo. Todos riram de sua pretensão e o ridicularizaram, mas seu carisma foi contagiando o Gado que viu nele a esperança de mudança e a perspectiva de um futuro melhor para todos, principalmente depois que um tresloucado tentou matá-lo a sangue frio.
Em resumo, ele foi eleito, tentou impor as mudanças que o Gado desejava e isso transformou os clãs, os Anciãos e os Sábios em seus inimigos mortais. A partir de sua posse, conspiraram de todas as formas legais e ilegais para arrebatar-lhe o poder.
Isso o deixou só, isolado no poder, pois nada podia fazer sem o apoio dos Anciãos e dos Sábios, que pediam de volta as benesses que sempre usufruíram.
Apesar disso, as mudanças seguiam a passos lentos, até que uma tragédia ocorreu: uma peste desconhecida alcançou a ilha, ameaçando a vida de todo o Gado.
O Guerreiro Chefe da Tribo reuniu seus auxiliares e planejaram de que forma iriam enfrentar aquele inesperado desafio. Foi quando o Conselho de Sábios se reuniu e decidiu que não cabia a ele essa tarefa, mas, sim, aos Chefes dos Clãs de todas as regiões. A ele cabia mandar os recursos para que os Clãs enfrentassem a peste da forma como julgassem apropriada. Contrariando inclusive a sugestão do Chefe para cancelarem a Festa da Colheita, quando milhares de visitantes viriam das outras ilhas, os clãs perceberam a excelente oportunidade de voltarem às velhas práticas, pois era exatamente esse tipo de situação esperavam para se locupletarem e deixarem o Gado à míngua. Pouco importava se alguns morressem e para isso impuseram todo tipo de restrição, criaram dificuldades, anularam os direitos e tolheram a liberdade de todos, ignorando criminosamente o Código de Leis.
Apesar de o Gado apoiar totalmente o Chefe da Tribo e esperar dele a solução para as mazelas a que era submetido, ele nada podia fazer, tolhido pela decisão dos Sábios. E além de não poder agir como queria, o Chefe passou a ser atormentado por todo tipo de plano e sabotagens da parte dos Anciãos e dos Sábios, buscando inviabilizar seu governo e tirar-lhe o mandato. Apesar das súplicas do Gado que se reunia diariamente diante do Palácio do Chefe da Tribo, ele nada fazia para evitar a derrocada nem usava as ARMAS a sua disposição para combater aquele mal.
Então, sem que o percebesse, o Gado foi sendo conduzido mansamente para o matadouro.

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A ILHA DO GADO
Short StoryConto atual sobre a crise política de uma ilha dominada por antigos clãs em luta contra um Guerreiro escolhido que é adorado pelo seu Gado, como é conhecido o povo dessa ilha.