Cap. 1

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Biópsia, biópsia, carcinoma, carcinoma, prostatectomia, prostatectomia, prostatectomia, tudo isso num estalo de vida, e o todo se vira.

Deitado numa cadeira que me parecia aquelas usadas apenas pelos obstetras, separado de outras seis baias, onde em cada uma um paciente aguardava para ser feito o mesmo exame: uma biópsia.

Notei que seria em série, pois, estando na recepção do hospital, chamaram alguns pelos seus nomes. Éramos em seis, e em fila indiana, cabisbaixos seguimos a enfermeira que nos deixou numa salinha comum. Estávamos todos, amarelados ou esverdeados, como se usássemos máscaras que contemplavam o desespero, e em certo momento, um senhor ao invés de se manter calado diz em alto e bom tom:

-Ficar velho é uma merda.

Parece que tomei como um insulto pessoal, pois eu não era idoso, era quase imberbe diante do grupo, e ele gastando saliva desnecessária num momento inadequado.

Eu, Gabriel Costa, engenheiro civil, quem diria, colocado  nessa situação, no apogeu dos meus 50 e poucos anos....

Narrei em texto anterior, partes de minha trajetória profissional até um certo momento, em "Assim Caminha a Humani...". Depois de reler e reler, considerei dar um passo a mais e relatar minha "não vida", pois o que viria, não posso dizer que teria sido uma escolha plausível.

Na verdade foi como um encerramento do viver, trazendo caminhos limitados que cercearam sonhos e ideais, para os quais penso, nenhum ser humano esta preparado. Um pensamento era constante e vinha à cabeça afetando embaraçando a alma, que ainda queria mais tempo. Mas, num repente veio uma poda com tanta força na violência que cegava e sinalizava apenas um ponto final.

Enfim, todos pacientes subiram e foram para às respectivas baias, separadas entre si por divisórias feitas em compensados. Tudo mal pintado, denotando improvisação e pouco caso.

As biópsias seriam feitas no sistema do "atacado" e, antes de chegar a minha vez, já escutava ao fundo gemidos de dor.

Deitado, com o ventre para cima, joelhos levantados, apoiados em braços articulados almofadados e elevados, o  médico passa ao meu lado, levantando tudo que me cobria da cintura para baixo.

Que vexame, que vergonha! Mas que frustrante, estando eu à vista de todas as enfermeiras passavam diante de mim, mal me olhavam, totalmente indiferentes, ao galã ali exposto. Agradou a desculpa que me deram, elas estão tão acostumados ao que fazem, que você é apenas mais um.

Isso até aliviava a vergonha que pelado eu sentia. Por outro lado, pensava eu, ser invisível ou um mero traste exposto,  um manequim desapropriado relegado à escuridão de um almoxarifado.

Na sequência, colocaram sobre mim um lençol devidamente ajeitado para que fosse facilmente desdobrado, cobrindo do joelho à cintura.

O urologista, velho conhecido que tantas vezes enfiara o dedo no meu reto, tocando minha próstata, apresentou-me de passagem ao anestesista como se fossemos três velhos amigos que iriam tomar um chope.

Ele, de imediato, sumiu da minha vista, sentou-se numa banqueta baixa, enfiou sua cabeça sob minhas pernas abertas e suspensas, puxou o lençol que fora posto, passando-o por sobre sua cabeça, como se fosse brincar de cabaninha no escuro.

Tinha ele, diante de si toda a essência da minha nudez, com o objetivo de preparar a aparelhagem que iria enfiar no anus, furar a parede do intestino para beliscar a próstata. Assim que se faz esse tipo de biópsia.

MORRI AOS 54 ANOSOnde histórias criam vida. Descubra agora