Feriado da Lua Vermelha

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O vento frio e cortante fez suas madeixas ligeiramente longas dançarem eufóricas. No topo daquele penhasco as coisas estavam caóticas demais. Jaebum sentia a energia da lua vermelha lhe puxando para o lado escuro, mas ele não sabia se queria sucumbir. Já tinha resistido há muitos outros feriados, aquele provavelmente não deveria ser diferente. Seu lobo uivava agitado dentro de si, contudo o Im queria mantê-lo preso o maior tempo possível. Sabia que uma vez transformado seria mais difícil segurar-se, portanto apenas abraçou seus joelhos e fechou os olhos. Ele conseguia ouvir todos os seus irmãos fazendo ofertas a lua, aos deuses, pedindo controle para aquela lua vermelha, contudo ele já tinha feito as suas mais cedo para não se preocupar em manter a calma mais tarde.

Mãos leves envolveram seu pescoço em um abraço caloroso. Jaebum respirou fundo, tentando manter a calma, ouvindo aquela risadinha divertida soar graciosa em seu ouvido como resposta. Youngjae tinha cheiro de terra molhada e aquilo soava um tanto que irônico para si, afinal ele era um lobo do lado negro e geralmente todos eles fediam a cachorro molhado ou tabaco, cheiros insuportáveis. Mas Youngjae era diferente, ele sempre fora; um lobo formoso, forte, grande, mas extremamente traiçoeiro. De doce o Choi só tinha a cara, afinal carregava consigo milhares de crimes que a Sociedade da Lua Prateada repudiava completamente. Era dele que Jaebum devia ficar longe.

Mas não conseguia.

Youngjae lhe fisgou desde o primeiro momento. Com suas roupas despojadas e sorrisinho de lado, com seus movimentos graciosos e mãos delicadas, com seus sorrisos maliciosos e provocações baixinhas no pé do ouvido. Ele era tudo que seus pais diziam para manter afastado e mesmo assim Jaebum apenas queria puxá-lo mais para perto. Tinha se avisado milhares de vezes para não brincar com o fogo, mas era quase impossível resistir a ele e os beijos tão gostosos trocados perto da cabana principal. A adrenalina de tê-lo entre os braços era viciante, Jaebum sempre sentia-se o homem mais corajoso do mundo quando estavam juntos.

— Já rezou para sua deusa, Bum? — Ele perguntou em provocação, as palavras fazendo cócegas em seu pescoço.

— Você não tem que rezar para a sua, Youngjae? — Resmungou, tentando evitá-lo.

O Choi sorriu.

— Eu já me doei por inteiro para ela hoje, bobinho. A deusa já pegou toda a minha oferta. — soltou um risinho. — Ela perguntou se você não quer experimentar também...

Jaebum engoliu a seco. Aquela oferta já estava lhe perseguindo há um bom tempo agora, Youngjae era um servo do lado escuro muito fiel e dedicado. Por mais que o Im tivesse curiosidade, ele não sabia se iria conseguir trair a confiança de todo mundo daquela forma, principalmente a de seus pais, que sempre o deram tudo. Ouvia muitas coisas sobre o lado escuro da sociedade da lua, principalmente sobre como eles faziam coisas imorais e cometiam assassinatos, entretanto Youngjae refutou tudo isso em uma explicação detalhada sobre o que viviam. Eles eram livres, lobos sem amarras; o que eles quisessem fazer, eles podiam, a deusa não ditava regras, ela só queria vê-los felizes. Alguns abusavam dessa liberdade, entretanto eram poucos casos.

A ideia de ser livre tentava muito Jaebum. A Sociedade da Lua Prateada era controladora e intensa, eles não tinham a chance de sair da aldeia sem serem amedrontados, ameaçados com as penas horríveis caso quebrassem alguma regra. O Im odiava admitir, mas sentia inveja de Youngjae. Inveja do sorriso verdadeiro dele, pela forma como se relacionava com outros lobos, como estava sempre sorrindo. Ele queria ser livre também, queria correr pela floresta sem o medo de ser parado pelos vigias e uivar o quanto quiser. Mas Jaebum tinha medo, ele não queria sucumbir, não queria ser fraco.

— Vai começar. — Youngjae sussurrou.

Ambos fitaram a lua. A separação das duas luas era um fenômeno lindo, único demais para ser descrito em palavras. A vermelha ia saindo, criando uma sombra escura, então afastava-se completamente da prateada. Ambos ficavam lado a lado, coexistindo por aqueles poucos minutos antes de voltarem a se fundir. A transição dos lobos acontecia nesses poucos momentos, aqueles que gostariam de mudar de lado precisavam fazer uma reza para a deusa do lado escuro e sucumbir, aceitando o beijo da escuridão. Jaebum sentiu as mãos formigarem, seu lobo estava descontrolado dentro de si, gritando, pedindo. Fechou os olhos, abraçando seu corpo, abraçando os braços de Youngjae.

— Está tudo bem. — o Choi sussurrou, beijando sua nuca. — Você não precisa vir comigo se quiser, eu posso continuar te visitando de noite.

Jaebum não queria mais encontrá-lo escondido. Jaebum queria ter Youngjae por completo, abraçado em frente as pessoas, beijá-lo onde quisesse. Mas enquanto ambos fossem de lados distintos, enquanto seus pais repudiassem tudo que fazia, não poderiam ficar juntos. Então tomou uma decisão: ele iria cair, iria aceitar seu lado negro que o chamava há tanto tempo. Não só por Youngjae, mas porque não queria mais fingir sorrisos para as pessoas em prol de manter a reputação do lado prata. Ele queria ser feliz, genuinamente feliz, e se as pessoas não apoiassem sua decisão então ele não queria saber mais delas.

— Youngjae-ah, me ajuda a rezar para a sua deusa? — Perguntou baixinho.

— Sério? — Ele questionou, surpreso.

O Im assentiu, ajeitando-se. Youngjae ajoelhou-se ao seu lado, fitando-o por completo, analisando Jaebum.

— Por favor.

O Choi sorriu, assentindo.

— Vou te ajudar com as palavras.

Eram palavras fáceis, mas continham um significado enorme. Youngjae ia falando na frente enquanto Jaebum repetia, tentando manter-se calmo para não errar nada. Tinham poucos minutos até que as luas voltassem a se juntar, ele não queria perder mais tempo. O mais velho sentia um formigamento lhe subindo o corpo, invadindo seu sangue, deixando-o arrepiado. Seu lobo rosnava e grunhia, abraçando o lado incontrolável, obscuro, de sua essência. Ao fim da reza, faltando poucos segundos para as luas começarem a mover novamente, Jaebum respirava de forma pesada. Youngjae segurou seu rosto, fazendo com que ele o fitasse. Muitos lobos perdiam a consciência na transição ao abraçarem seu lado irracional, perdendo consciência, virando animais para sempre.

— Olha para mim, — Youngjae gritou, os olhos de Jaebum se abriram mostrando a cor vermelha ali. — fica comigo, entendeu?

Mas Jaebum não estava entendendo. Seu coração batia sem ritmo dentro do peito, suas garras e presas já estavam a mostra. Ele sentia o corpo inteiro se quebrar, distender, uma dor insuportável, lentamente deixando sua consciência para trás. Youngjae o fitou assustado por um momento, mas não desistiu. O Choi não iria deixá-lo cair no mundo dos inconscientes, ele não permitiria que Jaebum desistisse assim da sua chance de ser livre. Portanto, sem hesitar mesmo que pudesse ser machucado por ele, Youngjae beijou-o. A resposta imediata do outro foi afastá-lo, mas o mais novo era mais forte e persistente. Apertou o rosto dele entre as mãos, só precisava mantê-lo consigo por mais alguns segundos.

Você é Im Jaebum! — separou-se, olhando-o nos olhos. Havia instabilidade ali. — E você não é esse tipo de idiota que desiste assim, então me escuta... — encostou sua testa na dele. — Fica comigo.

As luas se juntaram de uma vez, cessando o vento, os uivos e o caos. Jaebum respirou fundo, tossindo logo em seguida. Ele estava bem, ele tinha transacionado e ainda mantinha sua consciência. Youngjae respirou aliviado, abraçando-o.

— Seu babaca. — bateu no mais velho. — Quase me matou do coração.

Jaebum riu, abraçando-o de volta.

— Me desculpa.

Ambos separaram-se por um momento, observaram-se em silêncio. Tinham aquele brilho vermelho nos olhos, filhos da deusa da escuridão.

— E aí, como se sente?

— Cansado. — admitiu, fazendo o Choi rir. — Cuida de mim?

O mais novo rolou os olhos, mas acabou assentindo.

— Vamos para a minha cabana, hyung. Eu cuido direitinho de você lá.

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