Um azarado sortudo

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Azarado? Ha, Youngjae era o criador do azar.

Ele não era uma pessoa que acreditava muito nessas besteiras de quebrar espelho, passar embaixo de escada e pisar no rachado. Contudo, mesmo que evitasse tudo isso — e ele o fazia de verdade, apesar de não acreditar —, as coisas continuavam a dar errado. Acordar antes do despertador e bater o mindinho na quina da cama ao ir para o banheiro? Um bom dia. Derrubar a pasta de dente da escova e meter ela na boca sem perceber, escovando momentaneamente os dentes sem nada para limpar? O começo do desastre. Derrubar a toalha no box molhado? A morte. Youngjae queria bater a cabeça na parede até livrar-se desse azar.

Jackson bem tinha avisado: acende uma vela, toma cuidado amanhã, é sexta-feira 13 e você sabe bem da sorte que você não tem. E, apesar de Youngjae até ter levado tudo um pouquinho a sério, ele não esperava que o dia fosse começar tão errado assim. Não tinha uma manhã tão ruim em meses, se bem lembrava-se na última tinha conseguido derrubar o celular no vaso porque seu chefe ligou gritando e Youngjae se assustou com o tom de voz dele enquanto fazia xixi, causando aquele terrível acidente — o pior foi o fato do telefone não ter desligado de imediato, permitindo que o Choi continuasse a ouvir seu chefe gritando consigo de dentro do vaso.

— Puta merda. — Resmungou, enxugando-se com a toalha molhada mesmo, afinal não tinha tempo para pegar outra e duvidava que ela fosse durar em sua mão.

Além de todas essas desgraçadas, ele ainda por cima estava atrasado. E não era de alguns minutos não, era de meia-hora. Seu alarme tinha soado barulhento como sempre, entretanto Mark lhe entregara alguns remédios para dormir na noite anterior porque segundo ele "Youngjae estava com olheiras feias demais" e acabou por deixá-lo completamente apagado, atrapalhando sua vida inteira com apenas algumas pílulas. A única coisa positiva dessa história toda era o fato de que, bem, realmente não estava mais com tantas olheiras assim, o que era no mínimo agradável levando em conta que se não se apressasse também não teria mais um emprego.

Mas estava tudo bem, as coisas iam ficar bem. Youngjae já estava quase vestido e não precisava comer porcaria nenhuma, tinha se esbaldado no frango frito no jantar. Com sorte não iria enfrentar trânsito e chegar na empresa com no máximo quarenta minutos de atraso — seu chefe iria perdoar, ele tinha aceitado coisa pior antes como no dia que aparece ainda bêbado lá com sua cueca por cima da calça. No caminho até o estacionamento, contudo, ele enfrentou um problema que nunca pensou que iria ter sua vida inteira.

Ele tinha tropeçado na escada e caído.

Certamente alguma coisa estava quebrada ali dentro.

— Eu não acredito nisso... — Youngjae choramingou, tentando mexer sua perna. Ela estava imóvel, mortinha da silva.

E o Choi poderia muito bem pegar seu telefone no bolso, ligar para Mark ou Jackson e pedir ajuda, mas ele estava aceitando sua condição como azarado naquele momento. Iria ficar ali sofrendo até alguma alma caridosa aparecer, quem sabe o próprio Deus, dessa forma já poderia subir direto para o céu — era tudo que merecia depois de sofrer tanto na terra. Não sabia quanto tempo tinha se passado desde que seu corpinho atingiu o chão, a cabeça estava dolorida e ele ouvia um zumbido irritante, entretanto viu a sombra de alguém se aproximando.

— Caralho. — a voz do desconhecido soou. Youngjae levantou o rosto ligeiramente, mas as coisas estavam embasadas pelas suas lágrimas. — Calma aí, cara, vou chamar uma ambulância.

Demorou mais algum tempo — que Youngjae não sabia quanto, porque ele estava tontinho que só — para sentir-se ser levantado por alguém. Deitaram-no naquela superfície fofinha, o Choi sentiu um sorriso lhe subir o rosto. Talvez a dor estivesse fazendo-o delirar. Será que estava morrendo? Uma perna quebrada não deveria doer tanto como estava doendo, não é? Bom, não que Youngjae soubesse, afinal era a primeira vez que ele quebrava alguma coisa. Sua mãe provavelmente riria quando descobrisse, ela sempre o avisou sobre ser mais cuidadoso e ter atenção ao correr nas escadas. Mark e Jackson não iriam só rir como também gargalhar, dois palhaços que sempre iriam fazer gracinha de si.

Malditos, seu azar deveria ser culpa deles.

— Ei, cara, você 'tá acordado? — A mesma voz voltou, o sujeito tocou seu rosto.

Youngjae piscou os olhos algumas vezes, focando-se na pessoa. Era um homem do quinto andar, o Choi conhecia ele porque já tinha ajudado-o a subir com as compras quando o elevador estragou. Kim Yugyeom, algo assim. Bonitão, Youngjae já se pegou olhando demais para ele nas reuniões do condomínio. Talvez se fosse ligeiro, ainda poderia tirar algum proveito daquele dia terrível.

— E-Eu... — não estava conseguindo pensar direito. — Você que me salvou?

Yugyeom riu, assentindo.

— Pode-se dizer que sim, — sorriu. — eles vão te levar para o hospital. Você quer que eu ligue para alguém?

— Você não pode ir comigo? — Fez bico.

O Kim corou.

— Ah, eu posso, mas você tem certeza que não quer um amigo lá ou sua família?

— Eu gostaria que você fosse. — Fez sua melhor cara de coitadinho, vendo como ele assentiu, preocupado.

Youngjae poderia ser azarado, mas ele não era bobo.

— Vai ficar tudo bem. — Yugyeom acariciou sua cabeça, sorrindo.

— Espero que sim. — Assentiu, sorrindo com o carinho.

Sortudo? Talvez um pouquinho, se a malandragem de Choi Youngjae pudesse ser considerada sorte.

Má sorte?Onde histórias criam vida. Descubra agora