—Quem é aquela? —questiono, apontando para a garota que adentra o refeitório.
A garota é diferente dos padrões que temos aqui. Ela não é magra e nem branca. Inclusive, é uma coisa que eu nunca tinha parado para pensar. Por que não temos negros em Asgard? Quer dizer, pleno século XXI! Não estamos na Idade Média.
—Nem ideia. Nunca vi ela por aqui. Com certeza chamaria atenção —retruca Claire, dando uma colherada em sua sobremesa de pêssego.
A esta altura, todos no refeitório estão olhando para a garota, que está deveras envergonhada. A barulheira rotineira dá lugar a um silêncio medíocre. Vejo Tiago se levantar.
O garoto já está recuperado. As curandeiras realmente são curandeiras. Conseguem fazer verdadeiros milagres. O adolescente não tem sequer algum vestígio da sua — quase — morte. Anda normalmente, fala normalmente...
—Olha lá.. Quem deixou gente da sua laia entrar aqui? —questiona, olhando a garota de cima abaixo.
A adolescente murmura algo e tenta se esquivar de Tiago, que não permite.
—Ei ei, vai pra onde? Fica aqui comigo —exclama o garoto —Achei que este lugar era mais seleto. Nunca imaginei que alguém de cor entraria aqui.
Meu punho se cerra diante da declaração racista de Tiago. Nós estamos no século XIX? Essas coisas ficaram no passado, não podem ser aceitas atualmente.
—Só me deixa em paz —murmura a garota, visivelmente constrangida.
—Vá em frente, negrinha —insulta Tiago, seguido de uma risadinha.
O refeitório inteiro explode em gargalhadas. Gargalhadas maldosas. Piadas medíocres, racistas, horrendas. E ninguém, nem sequer uma alma viva se posicionou contra Tiago. Nem uma alma viva.
Eu coloco a mão no meu cajado e me levanto. Clarisse me olha e faz uma negativa com a cabeça, me aconselhando a não me meter. Se eu não defender a garota, estarei tão errado quanto Tiago, que está praticando o ato de racismo.
—Tiago. Se eu pegar este cajado e apontá-lo para você, será que vai ser bom? —questiono, passando pela frente da mesa e indo em direção a ele.
O adolescente dá uma risada.
—Ora ora, quem apareceu. Se não é o nosso assassino preferido. Sentiu bem tentando me matar? —pergunta, sem medo da resposta.
A declaração me enfurece mais ainda. Tiago sabe que eu não quis fazer aquilo com ele, mas divulga como se eu tivesse. Agora, além de tudo, às outras equipes devem me odiar, e, se não, temer.
—Por que você tenta implicar com os novatos? Isso só prova o quão ridículo você é.
Tiago dá outra gargalhada, desta vez, muito mais longa e sarcástica que a outra. A sua falta de interesse no assunto é o que mais me enfurece. Seu humor. Ele não consegue se sentir raivoso, e é isso que me torna raivoso. Sua falta de interesse.
—Eu que sou ridículo mas é você que fez uma tentativa de homicídio, não eu. Essa negrinha não se importa com as piadas, até gosta, não é? —questiona, usando o mesmo adjetivo que fez eu me meter.
Meu cajado reflete meus sentimentos. Ele se conecta comigo e mostra toda a minha raiva. Pequenos raios se soltam do globo de nuvens. Mas, diante dos acontecimentos recentes, prefiro não me concretizar como um assassino e ficar só na tentativa.
—Qual é o seu nome? —questiono para a garota, mas sem tirar os olhos de Tiago.
—Abá. Meu nome é Abá —responde, falando baixinho, com vergonha.
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Um deus à sua porta
Novela JuvenilSávio, Clarisse e Midas são 3 adolescentes que tiveram infâncias problemáticas. Midgard, a terra dos humanos, apresenta sinais de um eminente Ragnarök, o fim do mundo. Os 3 adolescentes são convocados pelos deuses a fim de formar a Nova Era, um exér...