Capítulo 05

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Querida Mara,

— E qual o seu maior mico? — Lavínia perguntou, antes de experimentar uma garfada de tortilha, esboçando um sorriso logo em seguida. — Ficou muito bom!

Eu sorri, repassando algumas histórias em minha mente na tentativa de escolher a melhor.

— Na minha antiga cidade, eu tinha uma melhor amiga. Minha única amiga. Eu lembro de me sentir invencível ao lado dela. — Sim, Mara. Eu estava falando de você. — Até que um dia, na escola, eu tava tão distraída conversando com ela, que esqueci de olhar pra frente enquanto andava, o que resultou no tombo que me fez acabar de quatro no meio do colégio.

Lavínia riu, mas os músculos do meu rosto se recusaram a expressar mais do que um sorriso. Mara, você lembra desse dia? Todos riram, claro, mas você, mesmo que estivesse segurando a risada, me ajudou a levantar.

— É agora que a gente se apresenta? — a garota perguntou, retomando minha atenção.

— Você primeiro. — eu disse, antes de encher a boca com tortilha espanhola.

— Meu nome completo é Lavínia Amalie, tenho dezoito anos, meu aniversário é dia treze de janeiro, o que me torna capricorniana.

— Esqueceu seu apelido. — eu disse, conferindo o questionário a minha frente.

— Lavís e Lavagirl, mas só a Morgana me chama pelo último. — ela se levantou, colocando seu prato na pia e voltando a se sentar. — Sua vez.

— Arizona Pomeranos, tenho dezesseis anos, mas não por muito tempo, meu aniversário é dia sete de março e sim, eu sou uma pisciana chorona. — dei de ombros. — E meu único apelido é Ari, mas isso você já sabe.

Um silêncio profundo pairou entre nós duas. Lavínia me analisava, deixando-me constrangida. Tentei desviar o olhar, mas Milo, assim como a dona, também me encarava.

— Acho que nunca te pedi desculpas pelo modo como te tratei no primeiro dia de aula. — ela disse, com um tom sério em sua voz.

— Tá tudo bem, você teve seus motivos. — rebati. — Agora, quem lava e quem enxuga? — perguntei, me referindo a louça.

— Ironicamente, sou #TeamLava.

— Que bom, porque eu sou #TeamEnxuga. — nós rimos.

Lavínia tirou seu All Star vermelho, ficando de meias pretas e arregaçando a manga de seu suéter, também vermelho. Uma frase era estampada em seu antebraço esquerdo interno, mas com a movimentação da garota, não pude lê-la.

Deixei meu All Star verde ao lado do dela e agradeci mentalmente por não precisar fazer o mesmo com as mangas da minha blusa.

— Gostei das meias. — ela disse, encarando o tecido preto com planetas desenhados.

Eu agradeci, mas pude sentir minhas bochechas queimarem naquele momento. O modo natural como as coisas estavam acontecendo entre nós havia me deixado surpresa.

— Você está gostando da cidade? — ela perguntou, colocando o primeiro prato para escorrer.

— Na verdade, eu nasci aqui e logo depois minha mãe resolveu que seria bom nos mudarmos. Onde eu morava era extremamente pequeno, o tipo de lugar onde todo mundo sabe da sua vida. Então, voltar pra cá é meio estranho.

— Você iria embora, se tivesse a chance?

— Se você tivesse me perguntado isso no dia em que nos conhecemos, pode apostar que a resposta seria um belo de um sim em letras maiúsculas. Agora? Não tenho mais tanta certeza.

— E o que mudou daquele dia pra cá?

— Acho que o fato de minha mãe estar mais feliz do que nunca e eu meio que estar fazendo amizades.

— Você sabe que pode apenas dizer "eu te conheci e tudo mudou" ao invés de usar o eufemismo de "meio que estou fazendo amizades". — ela disse, tentando imitar minha voz de maneira forçada na última parte.

— Primeiro que eu nem falo assim. Segundo, você é sempre convencida desse jeito?

— Só quando eu sei que gostam de mim.

— Acho que perdi a parte em que eu disse isso.

— Eu tenho certeza que disse.

Nossos olhares se encontraram novamente e, pela quantidade de vezes em que aquilo estava acontecendo em apenas um dia, eu estava prestes a me acostumar.

Lavínia aproveitou a minha distração e espirrou a água acumulada em suas mãos na minha direção. Tentei me defender com o pano de prato, mas já era tarde demais. Iniciamos uma guerra infantil para ver quem sairia mais molhada e só paramos quando Milo miou ao entrar na cozinha.

— Acho que venci. — eu disse, ao ver a garota notoriamente mais molhada do que eu.

— Eu vou pegar uma toalha. — ela comunicou, se perdendo no corredor.

Ela passava a toalha no cabelo curto em movimentos rápidos ao mesmo tempo em que me olhava. Estávamos na varanda, aproveitando os últimos raios solares do dia para nos esquentar.

Com a toalha jogada em uma cadeira próxima, Lavínia retirou o suéter vermelho, revelando mais duas tatuagens: uma, que reconheci ser a representação do quadro "Os Amantes", logo em cima da frase que eu ainda não era capaz de ler, e a outra, no antebraço oposto, que em traços finos compunha a imagem de uma mulher segurando uma criança.

— Vou pegar um moletom seco, quer também? — ela perguntou, mas apenas a ideia de me despir em sua frente, me fez arrepiar.

— Não precisa. Ou contrário de você, não estou tão molhada assim. — provoquei, mas me arrependi logo em seguida percebendo o duplo sentido que havia criado.

Lavínia esboçou um sorriso antes de deixar a sacada, mas não pude deixar de perceber que, diferentemente dos outros sorrisos que a garota já havia lançado na minha direção, aquele era instigante.

O celular vibrou no bolso traseiro da minha calça jeans e no visor pude ler a mensagem de minha mãe perguntando se estava tudo bem e se eu demoraria para ir para casa. Respondi já estar a caminho.

— Eu preciso ir. — avisei para a garota assim que a avistei voltar.

— Tudo bem, eu te levo.

Dentro da caminhonete, apenas o rádio emitia sons, preenchendo o silêncio confortável com a letra de "Are You Bored Yet?".

— Obrigada por hoje. — eu disse quando ela estacionou em frente ao restaurante.

— Eu é quem devo agradecer. Aliás, Pol estava certo, o restaurante está mesmo muito bonito.

Sorri antes de bater a porta e encontrei a minha mãe na janela quando adentrei o apartamento. Sua expressão não era a das mais amigáveis possíveis.

— Quem te trouxe?

— A Lavínia. — eu respondi, fazendo carinho em Pepper, que abanava o rabo e deitava para receber carinho na barriga.

— A garota com quem você foi fazer o trabalho? — confirmei. — Você não achou que seria relevante me contar que ela dirige? E mais o que? Mora sozinha? E por que seu cabelo está molhado? Você quer repetir tudo do que fugimos?

Mara, eu e você sabemos muito bem do que minha mãe estava falando.

Senti as lágrimas gritarem no fundo dos meus olhos, mas resisti.

— Você fugiu! Não venha dizer que eu faço parte disso. — vociferei, deixando a sala e trancando a porta do quarto após Pepper entrar comigo.

Deitada na cama, tentando controlar meus pensamentos antes que eles me dominassem, avistei um post it vermelho na folha do questionário. Sorri ao ver o número de Lavínia e o salvei em meus contatos, mandando um rápido "oi" antes de ir para o banho.

Com amor,

Ari.

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