Capítulo 27 - Vitor

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Vitor

-Não adianta, cara. Tu tem que entender que precisamos ter cautela ao mexer com os caras de lá.

-Tu tá dizendo que eu tenho que ficar de braços cruzados aqui, esperando, enquanto minha irmã está lá nas mãos deles e sabe se lá o que estão fazendo?

-Não tô dizendo isso, mas tu não pode simplesmente chegar lá achando que vai estourar os miolos dos caras e sair numa boa!

Meu sangue fervia. Peguei meu celular e entrei no primeiro vídeo que tinha na minha galeria da minha irmã amordaçada e mais ou menos consciente do que estava acontecendo e coloquei em frente ao rosto de Zequinha:

-Tá vendo esse vídeo? Ele é só um dos vários que eles me mandam todos os dias! Eu não aguento mais! -Eu já gritava. -Estourar os miolos deles ainda seria pouco, pelo que eles merecem.

-Mas tu não vai sair vivo de lá! De que adianta ir salvar tua irmã se tu não se salvar?

-E quem disse que eu ligo pra mim? -Digo me levantando. Estava cansado e furioso, não queria mais conversar com eles. -Eu to pouco me lixando se eu vou sair vivo de lá, minha irmã não merece tá no maior perrengue por minha culpa.

-Não é sua culpa. -Zequinha tentou me acalmar, mas eu não queria saber mais. -Onde você vai?

-Não é da sua conta.

-Vitor, não vai fazer besteira!

Não respondi. Comecei a caminhar pelas vielas. Não era culpa de Lili. Nada do que estava acontecendo e era por isso que eu continuava afastando as pessoas de mim, toda vez alguém se dava mal por estar naquela vida. Eu que sempre havia sido ruim, uma pessoa que certamente nem Deus mais tinha piedade que merecia ter sido pego por aqueles otários, não Lili, minha irmã tinha uma vida pela frente, uma vida que eu tinha ignorado e entrado para um mundo errado, e ela não deveria pagar o preço por mim.

Cheguei em casa e meu celular vibrou anunciando uma nova mensagem. Eu nem precisava abrir para saber que se tratava da minha irmã, mas mesmo não querendo, abri a imagem e ao vê-la machucada e amarrada era uma forma de punir.

[22/08 12:55] Vitor Canela: O que vcs querem pra devolver a minha irmã?

Mandei, mas não tinha esperanças alguma que eles fossem me responder, entretanto não demorou muito que eles mandassem:

[22/08 12:57] Número Desconhecido: Nem se você morresse, a gente a devolveria, estamos nos divertindo muito com ela.

Eu senti o extremo da raiva que eu poderia sentir em toda a minha força. Joguei o celular contra o chão fazendo com que ele se dividisse em várias partes. A minha garganta ardia e fui até o meu quarto pegando quantas armas eu conseguisse levar sem que chamasse a atenção. Eu sabia que aquilo era quase um suicídio, mas eu não temia pela minha vida, eu não tinha nada, eu não era nada, e se eu perdesse algo, não seria nada.

Sai de casa a passos firmes, eu sabia onde era o bairro em que eles dominavam, coloquei o boné sobre a cabeça e quando cheguei a entrada da favela, tentei agir normalmente como se eu fosse dali. Várias pessoas que passavam por mim, sequer me olhavam, então eu imaginava que estava dando certo o meu disfarce, o problema era saber onde era o local exato.

O sol era forte e o meu nervosismo não ajudava. Foi quando em uma esquina eu pude ver um rapaz, uma criança na verdade, que conversava discretamente com outro e entregava um pacote que estava nas mãos. Por mais que eu não conhecesse ninguém ali, em qualquer quebrada que eu fosse, poderia reconhecer um "aviãozinho" de longe. Se ele tinha droga, ele sabia quem era.

Assim que ele terminou a entrega e começou a andar, tentei discretamente segui-lo, mas o garoto era esperto e logo percebeu a minha presença. Ele apertou o passo e eu também, quando percebemos, corríamos entre as escadas da comunidade, até que sem querer ele acabou entrando em uma viela sem saída.

Recuperando o folego o rapaz se virou para mim e me encarou:

-O que tu quer?

Comecei a me aproximar dele lentamente, como um animal se aproxima de sua presa, pronto para devora-la.

-Quero que tu me fala onde é que eu posso encontrar o Coroa, ele era chefe do Nascimento.

-Como se eu fosse falar pra alguém onde o Coroa mora, tu me respeita, maluco. Não dou a língua nos dentes, não.

Me aproximei e agarrei seu braço sem paciência, tirando a arma do meu bolso e colocando abaixo do meu queixo. Foi quando ele olhou para mim e suas sobrancelhas se ergueram em reconhecimento:

-Tu foi o doido que matou o Nascimento... O Canela...

-Então tu me conhece? -Abri um sorriso maléfico. -Então sabe que eu posso estourar seus miolos a qualquer momento...

O garoto engoliu em seco:

-Mesmo se eu quisesse, eu não diria você. -Então toda a tensão que existia no rosto do rapaz sumiu e um sorriso brotou em seus lábios.

Antes que eu perguntasse se eu era algum tipo de palhaço para ele, senti uma aproximação atrás de nós, mas quando me virei para me defender, algo acerto o lado direito da minha cabeça com força, me fazendo perder o equilíbrio e cair no chão, minha visão escureceu e senti mais uma pancada forte.

***

Quando abri os olhos, parecia que a dor perfurava minha cabeça e só o fato de me obrigar a pensar e me questionar o que estava acontecendo era uma tortura. Tentei levar as minhas mãos até o meu rosto, mas percebi que eu estava preso. Ergui um pouco o pescoço e olhei em volta, ainda sem entender o que estava acontecendo.

-Ora, vejo que é verdade, tu é forte mesmo, comédia. - Coroa sorriu aparecendo no meu campo de visão. -Mas é muito burro de achar que eu não iria prever que tu viria aqui. Burro mesmo de achar que eu não armei tudo porque eu queria tu aqui. -Ele andou com as mãos no bolso, agora eu podia ver que não era apenas nós dois na sala, mas haviam vários caras que andavam junto com Coroa do Promorar. -Acha mesmo que eu ia deixar tu andar livremente pela minha quebrada? Acha que seria fácil tu entrar aqui e dar uma de herói? -Ele soltou uma risada seca. -Eu preparei tudo, uma hora ou outra tu ia vim aqui, e o pior, não imaginava que viria sozinho.

-Cadê a minha irmã? -Perguntei com os dentes cerrados.

-Tragam ela aqui. -Ele deu a ordem e dois rapazes arrastaram minha irmã pelos braços.

Seu estado era deplorável. Seus cabelos estavam bagunçados e soltos, suas roupas em algumas partes estavam rasgadas e sujas, e haviam vários tipos de machucados em seu corpo. Por mais que eu tentasse imaginar o que havia feito com ela, eu não conseguia. Meu estomago embrulhava ao saber que eu era o único culpado por tudo aquilo.

-Vitor... -Ela sussurrou fracamente olhando para mim, certamente não aguentava nem ficar em pé.

-Deixa ela ir. Seus problemas é comigo e não com ela. -Pedi.

-Aí que você se engana, você e ela são quase a mesma pessoa. -E como prova do que estava falando, Coroa pegou uma faca e cortou o pescoço da minha irmã em minha frente.

Um grito morreu em minha garganta quando o corpo dela inerte caiu no chão.

-Tu vê, a dor dela é a tua. A morte dela é a tua. -Ele ria, mas eu não escutava mais nada.

Eu não sentia mais nada. O sangue escorria pelo chão escuro da sala. Lili estava morta mesmo? Não, não. Eu me recusava a acreditar naquilo. A dor esmagava o meu peito, enquanto a realidade descia sobre meus ombros. Não, ela não estava morta. Ela ia se levantar. Eu poderia chamar uma ambulância, eles cuidariam dela. Ela estava viva.

Mas ela não se mexia. Eu poderia até pensar que Lili estava apenas dormindo. Suas pálpebras fechadas, seu rosto sereno, mesmo com os machucados... Mas o sangue não mentia, o fato de seu peito não subir e descer conforme a respiração normal de todo mundo também mostrava o que eu queria negar.

Fechei os olhos, mas as lágrimas não vieram. Eu estava sentindo tantas coisas ao mesmo tempo que não sabia o que era certo. Eu deveria chorar por Lili? Eu deveria me odiar porque eu não a protegi? Eu deveria sentir raiva de Coroa? Eu deveria querer morrer?

-O que fazemos com ela, Coroa?

-Podem jogar no rio do Silêncio.

-E ele?

-Façam o que quiserem, depois, deem o mesmo fim. -Coroa se virou e saiu de lá deixando que fizessem comigo e me levassem para qualquer caminho.

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