Capítulo 1

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Alguém estava me observando. Eu podia sentir isso conforme me movimentava em direção ao segundo andar. Quando fiquei intrigada demais, dei uma olhada à minha esquerda a alguns metros, e lá estava ele. Parado encostado na parede, de braços e pernas cruzadas olhando na minha direção. Fiquei meio zonza. De algum modo sentia que o conhecia mas ao mesmo tempo não sabia de onde.

Olhei ao redor e pude ver toda aquela gente bebendo, conversando, cantando e se distraindo. Várias pequenas multidões, mesas e cadeiras, crianças correndo, música rolando, gente de todas as idades, além de uma grande mesa de bolo. Era uma festa. Indo em direção as escadas para o segundo andar, não estava mais resistindo. Eu tinha que procurar aquele tal menino.

- Não era possível que ele ainda estaria de olho em mim. Deve ter sido apenas uma coincidência. Aliás, ele nem deve existir. Deve ser minha imaginação fértil mais uma vez. Vou nem olhar. Certeza que era isso, uma coincidência. - balbuciei na minha cabeça igual uma criança falante.

Olhei. O cabelo dele era um castanho liso ondulado, e ele ainda estava no mesmo lugar, na mesma posição, me encarando. Só que dessa vez, segundos depois que nossos olhos mais uma vez se encontraram, ele sutilmente olhou para baixo e deu um sorrisinho. Ah.. aquele bendito sorrisinho.

- Mas o que está acontecendo? Por que ele fica me encarando? Apesar de sentir que o conheço, não faço ideia de quem seja. Será que me conhece? Eu o conheço? Acredito que não, mas então por que tenho essa sensação como se eu estivesse de certa forma aguardando por ele há algum tempo? - indaguei - Muito estranho, mas aquele sorrisinho... Ele até que é bem gato. AAAH para com isso Morgan Becker, não seja maluca. Não pode ser, você está imaginando coisas, se recomponha - meus neurônios pareciam estar em guerra, enquanto que eu sentia um certo nervosismo e talvez alguém aqui estivesse corando. Mas só talvez... Até que comecei a me questionar se havia me alimentado direito. Algo não estava normal. Certeza que esse era o motivo: a fome me levando a paranoias.

Aproveitei e peguei uns salgadinhos e uma bebida que um garçom trouxe no caminho. Conforme cheguei no segundo andar, avistei um local que dava pra avistar o céu e ver todos lá embaixo na festa. Andando em sua direção, fui observando as pessoas ao redor. Umas bem exaltadas (ouso dizer que até meio ridículas), umas meninas em grupo apontando pra uma garota de óculos e dando risadinhas, uns garotos fazendo algum tipo de aposta (provavelmente sobre alguém deles ir dar em cima de alguma daquelas garotas que citei), umas pessoas fumando, outro grupo de adolescentes cantando a música ambiente que tocava na festa como se estivessem num karaokê, casais se beijando.

Mas eu estava ali, leve (agora não tanto, depois desses salgadinhos e esse refrigerante) e de bem com a vida (pelo menos nesse momento), que parei para respirar, apenas comendo meus salgadinhos e em paz. Com meus braços apoiados no parapeito, vendo toda aquela gente sorrindo lá embaixo e atrás de mim, me fez perceber como coisas tão simples roubam sorrisos da gente tão facilmente, mas ainda tão fácil quanto, a vida te rouba esses sorrisos de volta. Chega a ser contraditório e um tanto frustrante.

Olhando para o céu, me pus a imaginar como seria a vida se algo de bizarro acontecesse, algo que fizesse a gente dizer "puxa isso parece coisa de filme" ou ainda "parece que tô sonhando" mas que de fato fosse tudo verdade. Sem contradições. E que pudéssemos desfrutar daquele sonho-verdade sem esperar que a vida te puxe de volta pra sua realidade. Fechei os olhos e eu sabia que estava sendo muito idiota, porém me senti bem e melancólica ao mesmo tempo com essa historinha que narrei na minha mente.

-Ei, está tudo bem?- ouço uma voz próximo a mim

-Tem alguém falando. Acho que está perto de mim, mas estou de olhos fechados. Quem chegaria perto de alguém com olhos fechados com salgadinhos na mão para conversar? - resmunguei em mente

Definitivamente nesse momento, já me senti um tanto idiota por ter pensado esse tipo de coisa. Pelo menos não foi em voz alta. Não abri os olhos. Se eu os abrisse nesse momento e realmente tivesse uma pessoa olhando pra minha cara, me sentiria ainda mais estúpida, vá entender.

-Vou ficar assim mesmo. Afinal, não é ninguém falando comigo. É provável que eu agora esteja ouvindo vozes também. Tá, talvez nem tanto. Mas por via dos fatos, seja quem for essa pessoa, ela não está falando comigo. - mais um resmungo

-Desculpa incomodar, é que te vi subindo aqui e pensei em falar com você. - disse a mesma voz. Que inclusive agora parecia estar bem mais clara e real pra mim. Não era paranoia.

Acho que isso ficou meio preocupante. Então realmente tinha um ser vivo falando comigo e meus olhos continuam fechados. Não consigo abri-los pra encarar seja quem fosse e ter que explicar o porquê de não ter dado atenção e que não tinha sido intencional, mas que só não achava que alguma pessoa teria motivos pra falar comigo agora, principalmente no momento em que estava tendo uns pensamentos meio lunáticos, profundos e sentimentais demais. Pensando melhor, agora está realmente constrangedor meus olhos não estarem abertos até agora.

-Abre os olhos garota, deixa de ser retardada. Tem alguém falando contigo. - ordenou uma força maior, tomando as rédeas no meu cérebro. Provavelmente o neurônio mais irritado e mandão de todos os que eu tenha.

Abri os olhos, envergonhada, quando me deparo com alguém que minha mente criou momentos antes. Nossos olhos se encontraram mais uma vez e subitamente me veio um aperto tão forte no coração que chegava a doer. Dessa vez aquele menino estava tão perto que pude ver a cor dos seus olhos, inclusive senti um perfume doce, e não poderia duvidar mais. Seus olhos eram da cor de mel e ele era de fato real. Perdi a fala por mais alguns segundos (contando com o tempo desde que ele chegou, coitado do garoto) até me dar conta de que era melhor dizer algo.

Prestes a finalmente palavrear algo de verdade, em questão de segundos senti como se eu estivesse num mundo paralelo. Tudo foi ficando meio turvo. Era como se uma cortina estivesse se fechando e algo me puxasse de onde eu estava. Pude senti-lo como se ainda estivesse ao meu lado, me encarando com seus olhares, porém cada vez mais distante. Minutos depois já não saberia distinguir muito bem o que tinha acontecido.

Por mais bizarro que pudesse parecer, afinal nem sei se o conheço, aqueles olhares eram marcantes e me faziam sentir algo. Um estranho bom, no qual não saberia distinguir agora. Porém, era como se bastasse aqueles olhares cruzarem os meus, pra que eu pudesse me sentir segura e tocada no coração de uma forma tão bonita que chegava a dar vontade de chorar. Custei despertar totalmente até encontrar diante de mim um objeto que me explicaria muito do que estava acontecendo, apesar de um tanto decepcionante. O relógio. Eram dez da manhã e pelo que pude perceber agora, tudo o que tinha acontecido tinha sido um sonho.

Pois é, como eu disse. Quer dizer, na minha mente naquele sonho, que seja, mas era uma verdade: "Coisas tão simples roubam sorrisos da gente tão facilmente, mas ainda tão fácil quanto, a vida te rouba esses sorrisos de volta. Chega a ser contraditório e um tanto frustrante."

Antes de cogitar fazer qualquer coisa, tudo que mais almejava naquele momento era não ter acordado. Então fechei os olhos e voltei a pensar naquela figura, de olhos cor de mel e cabelos castanhos, fixando em mim seu olhar. Era algo tão forte e estranhamente bom, além de tão vívido na minha mente, que daria qualquer coisa pra que tivesse sido verdade.

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⏰ Última atualização: May 28, 2020 ⏰

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