Babá Eletrônica

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  Marcely sabia o que estava por vir, era quase inevitável. Mas bastou esse "quase" para lhe dar esperanças de que tudo ia ficar bem, e ela poderia voltar a ter uma vida normal com o seu amado marido.

  Divórcios vão contra todos os votos de um casamento: "na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte nos separe" disseram, mas no fim daquela tarde iriam assinar os primeiros papéis para darem entrada no processo de separação. Nunca pensou que fosse passar por isso em plenos 27 anos.

  Eram quase duas e meia da tarde, e o sol estava castigando lá fora, coisa que não duraria muito tempo, pois Marcely podia ver uma tempestade se formando no horizonte através de sua janela. Parecia que iria desabar sobre sua cabeça quando chegasse, trazendo consigo o suficiente para ela se afogar em água e tristeza.

  Marcely saiu de seus devaneios quando ouviu um barulho estranho pela babá eletronica. Parecia estática, só que não muito aguda, e sua intensidade oscilava. Era um aparelho barato, parecia mais um walkie talkie, não era de se estranhar algum problema assim. Por via das dúvidas, foi em direção ao quarto do bebê só para ver se estava tudo bem.

  Atravessou um corredor que leva pro lado oposto da casa, longe da entrada. Ao abrir a porta do quarto, o que viu foi nada mais nada menos que um bebê dormindo tranquilamente. A babá eletronica ficava em cima de uma cadeira ao lado do berço, e Marcely não viu nada que parecesse estranho. A janela estava aberta, iluminando e ventilando o quarto, embora não se lembre de tê-la deixado aberta.

  Observou o bebê deitado, e pensou na gratidão de sua presença ali, naquele momento. Como tinha sido capaz de se sentir tão insegura para se tornar mãe? Não só achava que não teria aptidão para cuidar de um bebê, como pensou em desistir da tarefa. Mas o amor por Leo era grande demais para decepciona-lo, e ela sabia o quanto ele queria aquele bebê. Agora ela percebeu que foi tola, e iria amar a criança o suficiente para nunca se sentir insegura em relação ao seu papel. Esperava que ele entedesse isso, e reconsiderasse o pedido de divórcio.

Tentava agarrar essa esperança.

  Fechou a porta, atravessou o corredor, voltou para a sala de estar, e passou a olhar novamente pela janela. Sua visão ficou turva ali em pé no meio da sala, e voltou a sentir a mesma dor de antes, como se fosse a de uma formiga picando seu braço. O barulho estranho da babá eletronica estava voltando, mas ela sabia que estava tudo bem, já havia checado.

Estava fazendo um bom trabalho.

Ele vai me perdoar.

...
 

   O relógio analógico do carro mostrava ser 17:25. Já estava escurecendo, e Leo olhava atónito para a traseira do carro a sua frente. Ele so percebeu que o sinal havia ficado verde quando o carro da frente começou a andar e virou à direita do cruzamento, as buzinas nervosas batendo na sua nuca também o ajudaram a voltar do planeta em que estava.

Começou a rodar.

  A pasta de documentos no banco do passageiro balançou freneticamente quando passou por uma rua com tantos buracos que parecia a superfície da lua.

  Leo estava chegando próximo do seu destino.

  Virou a esquina, e andou mais alguns metros até estacionar ao lado de uma casa com aspecto de classe média. Ficou parado ali por uns instantes, pensando no que estava prestes a fazer. Também se sentia mal pelo que tinha acontecido. Será que a culpa é
minha? Não fui atencioso o suficiente? pensou, olhando pro nada ainda com as mãos no volante.

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