Atenção: gatilhos de violência!
" E agora as chuvas choram em seu corredor e não há alma para ouvir. "
- The Rains of Castamere
—Eu não queria estar aqui. Não, eu realmente não queria. Mas foi o que meu senhor Elrond pediu, e eu acatei. —
P.O.V. Rowena
Não lembro muito de minha infância. Mas lembro da cidade, dos livros, da minha casa de quando morava em uma cidadezinha próxima a metrópole.
Era 15 de maio e eu tinha 18 anos. Tinha acabado de fazer uma redação para entregar terça-feira depois de um seminário sobre o desenvolvimento dos neurônios, para a faculdade de Psicologia. Fechei meus livros sobre a mesa bagunçada de canetas, marcadores de texto, papéis de copiadoras e meu notebook aberto em tantas abas de pesquisas que já quase travava. Estava tocando blues, eu adorava. uma das prateleiras do meu quero era dedicada a CD's e DVD's de shows de Ray Charles e Nina Simone. Apenas o que superava minha paixão por eles era o repertório de uma peça, um show... O Fantasma da Ópera. História tal que um gênio da música, amaldiçoava sua deformidade que o acompanhava desde que nascera, sendo motivo de medo e ojeriza por todos que se atreviam a olhar seu rosto. O lado direito era deformado, com a pele como couro esbranquiçada e repuxada. A reação de sua mãe quando o vira foi pôr lhe um saco sobre sua cabeça e assim foi sua infância até fugir para unir-se aos Persas. Tempos depois fora vendido ao circo dos horrores onde queimaram-lhe a face deformada. O exibiram como filho do demônio até alguém libertá-lo de sua jaula. Foi caçado por matar seu algoz enforcado após sua fuga, mas não o acharam. No final das contas viveu sob o subsolo de uma Ópera de Paris, onde alimentou as histórias de um certo fantasma horrendo que lá vivia. Escrevia espetáculos, compunha as mais belas músicas e matava quem o descobrisse de onde estava escondido. Se tornou rei daquele lugar. Até que se encantou por uma voz, a voz que o salvaria da tormenta de si mesmo, sua musa inspiradora..., mas foi seu declínio.
Eu tinha um caso sério de admiração e amor por personagens trágicos. Eram fonte de muita inspiração. Uma vida de tormentos... uma couraça que se estendia ao redor dele mesmo de aspecto monstruoso onde abrigavam um ser ferido. Havia um grande quadro na parede onde havia escrito versos de canções, pintado cartas, tinteiro e penas sobre um fundo escuro e ao lado uma máscara. A máscara que escondia seu rosto deformado.
X
Saí de manhã para comprar algumas coisas para casa. Estava anoitecendo, mas o mercado era a alguns quarteirões dali. Pensava na ideia de passar uma época no campo com seus tios, sem sinal, sem pessoas, cuidando de Fhilip, o corcel negro e colocá-lo para correr sobre o pasto. Ver os pastores latirem de manhã e pedirem aconchego a noite. Levantar fogueiras ao cair da noite e sentir o calor invadir o espaço ao redor.
No meio dos devaneios ouço passos se aproximando na calçada, me apressei sobre as botas de couro que usava. Do outro lado da calçada podia ver um outro sujeito olhar de soslaio em minha direção. Ao encará-lo vi um sorriso maldoso em seu rosto e os passos atrás de mim aumentarem. Não dava mais. Parei bruscamente e me virei.Minha boca passou a ter um gosto metálico e meu estômago se contraiu ao ver dois homens caminhando em minha direção com garrafas de cerveja nas mãos. Não houve diálgo. Um segurou meu braço com a mão de garrafa dando uma risada sórdida como um guincho de porco. Puxei de volta como um chicote, mas ele era o mais forte. O outro soltava um "aaah" maldoso para os outros dois como se tivessem acabado de ganhar um prêmio. Este era baixo, redondo, com cabelos ralos e olhos pequenos como de um rato. "Eles não fazem ideia do que vai acabar acontecendo" a voz soou em minha cabeça. Eu sabia o que tinha que fazer. O que me agarrou tentou segurar meu cabelo com a outra mão, mas estava tão bêbado que sua mão veio em direção ao meu rosto. Para a má sorte dele, desviei a cabeça para o lado deixando sua mão passar rente e reto mostrando o pulso nu com as veias roxas em frente ao meu rosto. Cravei meus dentes lá com força e tracei para o lado e parte da pele avermelhada se agarrou no meu dente e rasgou. Sangue morno escorreu pelo meu queixo. O homem urrou, fedia a bebida e cigarros. Cambaleou para trás segurando o pulso em desespero. O da frente pegou a garrafa e a estatelou no muro para me acertar logo em seguida, mas o instinto o fez tremer na base das pernas o deixando sem apoio. Deixei minha mochila escorregar de meus ombros até o chão para ganhar mais agilidade. Eu não tive outra reação senão ir para cima deste pulando em suas costas, que se debatia para se livrar de mim. Ouvi me chamando de puta, de louca e covarde. Pus as mãos em seu rosto e cravei fundo as unhas em suas cavidades oculares. O que tinha o pulso ferido quebrou a garrafa em minhas costas rasgando alguns centímetros de roupa e cortando minha pele, mas como o sangue estava quente, não senti. Este me puxou pelos cabelos me jogando ao chão se pondo por cima de mim. Estiquei meu braço tateando o chão o quanto pude e achei cacos de vidro. Minha pele rasgou quando cortei a panturrilha do homem, mas o vidro estava bem fincado. Me levantei tonta e com dificuldade, mas não podia parar por ali... estava em um estado de consciência onde uma pessoa qualquer teria corrido, mas parte da minha natureza não aceitava essa conduta, não o que estava me regendo naquele momento. Peguei a garrafa da mão do que tinha os olhos deformados por mim e fui em direção ao maior. Ele usava uma jaqueta grossa, então qualquer ataque não surtiria em muita coisa. "É isso ou eles te matam". Perfurei com a ponta de um dos pedaços pontiagudos de vidro onde ficava a jugular do homem. E perfurei de novo e de novo. Ele caiu para trás e eu cortava seu rosto com ódio. Quando o corpo já não expelia mais sangue nem dava mais nenhum sinal de movimentos, percebi que o outro havia corrido cambaleando sem jeito apoiado no muro. Berrando com uma voz agonizante de tamanha proporção da dor que devia estar sentindo. Não usaria o vidro de nojo, já que a maior parte ficou no corpo caído no chão. Se havia começado com as unhas, com as unhas eu terminaria. Sempre as deixava crescer e lixava ao modo que ficassem com pontas. Finalmente serviriam para alguma coisa. De certa forma, eu sempre quis que esse dia chegasse.
Corri soltando urros de ira e gritos para que o roliço ensanguentado parasse. Quando o alcancei terminei o estrago que fiz em seus olhos. Ele desesperadamente tentava me derrubar, bater ou socar. Golpes em sua barriga, sua garganta e em cima dos buracos onde eram seus olhos funcionaram perfeitamente. Ele berrava mais e mais gutural, até que encaixei a mão entre sua carótida e sua traqueia e depositei ali o mais forte que pude as minhas unhas. Cheguei o mais fundo que pude e segurei, quando senti que minhas unhas estavam firmes em seus músculos e artérias puxei uma, duas, três, quatro, várias vezes até ver a pele se soltar da carne vermelha escura e seu sangue jorrar do pescoço e a boca. Sua língua estava roxa e inchada pendurada para fora. Senti raiva pelo desgraçado não ter lutado mais para sobreviver, então liberei minhas mãos e desfigurei sua face até ficar irreconhecível. [...] Cheguei a um ponto em que meus tendões gritavam de dor e cansaço e decidi deixar os dois corpos ali. Precisava ir para casa.
Peguei minha bolsa e corri o mais rápido que pude pelo meio da rua escura iluminada por postes de luzes alaranjadas. O cheiro do sangue me rodeava e meu estômago se contorcia. "Não é hora para isso. Volte para casa e não fraqueje." Chegando na porta vi minha irmã Nancy sentada em um dos bancos de madeira do quintal folheando um livro que acabara de comprar de um sebo e alternando em digitar em seu celular quando me viu correndo. Abriu o portão para mim com o coração apertado por me ver coberta de vermelho.
-Enna, o que aconteceu? O que fizeram com você? Onde você estava? Por que que voc... - Engasgava a cada palavra
-Por favor me ajuda a ficar calma agora. Nancy, eu matei dois homens que tentaram me atacar.- Um silêncio congelou o ar ao redor delas.
Nancy, apesar de irmã mais velha, era muito diferente. Tanto fisicamente quanto à sua maneira de ser. Tinha um rosto em formato de coração e bochechas rosas, Seu cabelo era castanho claro, comprido e levemente ondulado nas pontas. Sua franja cobria boa parte da testa e usava óculos de armação leve e arredondada onde por trás haviam olhos gentis da mesma cor de seu cabelo. Já eu tinha cabelos médios, ondulados e picotados como se eu tivesse usado uma navalha, tão pretos quanto carvão. Olhos grandes da mesma cor. Rosto oval e comprido, sobrancelhas arqueadas e severas. Éramos ambas de estatura média e esguias, Porém eu Tinha estrutura um pouco mais bruta por desde sempre descontar parte de minha energia em atividades físicas. Nancy se ocupava com artes e leitura assídua. Nancy tinha mãos pequenas, fofas de unhas delicadas e bem cuidadas. Se fosse ela no meu lugar, não conseguiria fazer o mesmo estrago. Minhas mãos eram magras de dedos compridos e elegantes de unhas proporcionalmente compridas. Escrevia muito sempre que me inspirava, mas também fortes o suficientes para nocautear alguém de tantas flexões de punhos cerrados que fiz na vida. Nancy sempre foi a mais emotiva de nós duas, mas naquele dia ela soube que precisava ser mais racional que eu.
-O que vamos fazer agora? - Ela quebrou o silêncio. - Alguém viu o que aconteceu?
“O terceiro homem” me lembrei. - Havia um terceiro que provavelmente não se aproximou depois que comecei a reagir. Não lembro de tê-lo visto quando terminei. A rua estava deserta.
-Você sabe que ele pode ter te seguido, não é? - Sua voz embargou. Como você vai se defender? As únicas provas são o testemunho dele e...
Minhas costas arderam de dor. Arqueei e retirei minha jaqueta jeans. Daquela vez sangue era meu. Nancy levou as mãos ao rosto e arregalou os olhos. - Eles te atacaram? - Soou mais como um aviso do que como uma pergunta. Temos que te levar a um hospital agora, a ferida pode infeccionar.
-Você deve estar maluca se acha que eu vou a um hospital depois de ter desfigurado dois homens no meio da rua. Levantará MUITAS suspeitas. Olhe para mim e faça o que puder, por favor- Nancy era estagiária de enfermagem. Tinha um quite médico de emergência em casa. Sentei em um sofá e ergui o tecido. Para limpar o corte.
-Não foi tão fundo, mas eu vou ter de suturar, Enna. Isso está feio, mas poderia ser pior.- Ela estancou provisoriamente para pegar seu quite e esquentar água. Pôs as luvas e trouxe o material. Não tínhamos qualquer tipo de anestésico. Ela fez ponto após ponto e eu tive de aguentar firme. Enquanto isso eu contava o que aconteceu. Quando terminou, fez o curativo.
-Enna, eu estava pensando enquanto isso e...
-Temos que sair daqui. Não é? - Ela assentiu.
- Aquele homem pode saber onde moramos. Não sabemos quem é, o que quer. Ele pode invadir e sabe-se lá o que mais ele pode fazer sozinho ou acompanhado.
-Ainda hoje estava pensando nos nossos tios e... temos essa opção. Só que nós temos a faculdade.
-Quem em sã consciência se importa com faculdade nessa situação Enna? Não deve se importar com a minha e nem com a sua.
-Mas você está prestes a se formar.
-Eu posso trancar. O que importa agora é o que está acontecendo com você e o que pode acontecer a nós duas. Levanta, a gente sai ainda hoje. - Ela disse duramente, mas seus olhos se compadeceram e eu respondi com um olhar de irmã mais nova profundamente agradecida. Éramos família e passaríamos por isso juntas.
Tomei um banho para tirar o sangue de meu corpo. Não havia tempo de lavar as roupas e não podia jogar no lixo caso alguém as encontrasse. Coloquei em uma sacola e no meio do caminho iria desovar na estrada. Pegamos as malas e enchemos do que nos era essencial. Roupas, pertences, documentos, dinheiro... e armas. Eu fiz parte de um grupo de camping e era apaixonada por lâminas de todos os tipos. Armas brancas eram o meu forte e agora mais do que nunca elas poderiam se apresentar necessárias. Jogamos as malas no carro da garagem, um 4x4 prateado escuro. Esvaziamos a dispensa e a geladeira, colocamos os frios em um culler e o resto em outras bolsas. Não deixamos comida para trás, já que eram umas 5 horas de viagem. Pegamos retratos dos nossos pais que morreram quando eu tinha 5 anos. Acidente de carro. Desligamos a casa e abrimos a garagem de porta automática.
- Vamos mesmo fazer isso? - Perguntei aflita.
-Precisamos. - Nancy fechou a garagem e deu a partida.
[...]
Quando saímos, passamos na rua onde os dois corpos estavam jogados. Urubus já tinham se amontoado por lá, mas ninguém por perto. Já estava de madrugada. As férias de fim de ano estavam chegando e a maioria das famílias haviam viajado. Não faria diferença se a gente fosse embora também. Nancy deu uma olhada naquela cena e ficou enjoada. Acelerou. - Você fez aquilo tudo? - Havia um misto de surpresa e ansiedade em seu rosto. A olhei e arqueei uma sobrancelha. - Ninguém mexe com você, não é? - Demos uma breve risada nervosa. Quando o silêncio voltou, lembrei de como me senti no meio dos ataques.
- Nancy... eu nunca senti aquilo. Nunca pensei que poderia me sentir assim um dia. Parece que toda ira do mundo se acumulou no meu âmago e, de alguma forma, eu só pensava... -Engoli em seco olhando para o vazio- Só pensava em como poderia rasgar seus corpos ainda mais. Eu, de alguma forma, sabia o que fazer.
-Foi o desespero. Você podia ter sido estuprada ali mesmo. Não agiu errado. Pare de se sentir culpada.
[...]
Estávamos há uma hora na estrada ouvindo rádio para distrair. Aquele ponto da estrada já não havia nenhum tipo de sinal de rádio ou de celular. A estrada era curva à medida que rodeávamos montes, campos de pasto, subíamos e descíamos a serra. De longe as montanhas eram visíveis, névoa se acumulava da metade para cima. Estava perto de amanhecer e depois de três horas de viagem trocamos de lugar e eu assumi o volante. Passaram-se alguns minutos quando percebi que o mesmo carro preto e baixo reaparecia atrás de nós. Nancy estava sonolenta no banco do carona e não deve ter visto. Acelerei.
-Acorda. - Disse impaciente. - Estamos sendo seguidas-. Nancy despertou assustada e ficou de olho no retrovisor. Ela soube o motivo da velocidade.
Fomos de 100, 120, 150... 250. O carro escuro nos acompanhava firmemente enquanto eu ficava impaciente e vermelha e acelerava mais até que ficou lado a lado conosco a direita. Nancy olhou pela janela, havia uma arma apontada para nós.
-Rowena!
O tiro veio e atingiu o banco. Pisei no Freio e virei o volante para a esquerda. O desespero nos consumiu por inteiro e derrapamos. Uma volta, duas, três e caímos para fora da estrada no vazio. Era escuro e frio, parecia não haver fim algum até que tudo ficou preto. Não pareceu que batemos ou atingimos o chão em cheio. A última coisa que vi foi um campo verde. Alguém de botas de couro decoradas com linhas de ouro colocar um arco de madeira ao chão. Este colocou o rosto ao nível da janela e cabelos prateados se arrastaram nas folhas da relva. Então o escuro voltou.
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Um salto no escuro
Fanfiction"[...] O custo pode ser a minha vida, mas eu juro que nenhuma mulher jamais precisará novamente abaixar a cabeça perante qualquer homem. Dou a minha palavra. [...]" "[...] Você não é um monstro. Nunca foi, nunca será. Quando vejo seus olhos vejo tod...