O torneio da mão: parte 1

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Quanto mais sangue, maior a fome do público


 
O sol não havia raiado e o vento passava gelado à pele de quem dormira ao relento, como Luther. Comm o rosto coberto de sangue seco e coagulado da surra que levou na noite anterior. “Nada sinto com isso” foi o que havia dito para si mesmo durante todos esses anos que vagara sozinho, desolado, como um cão abatido e abandonado pela mão que o criou. Seus olhos já não tinham mais brilho, seu único motivo para viver até então foi por carregar o fardo de vingar sua família com o sangue do mesmo que os destruíra. Depois disso poderia dar fim a si mesmo não importa onde. Na mata, num bordel, ao lado de uma vala. Não fazia questão de que ascendessem velas em seu nome e não se importava se coiotes ou corvos viessem até seu corpo já sem vida, atraídos pelo cheiro, para arrancar um pedaço de si.  

“Quando isso vai acabar?” Seus fantasmas eram cruéis, secos como areia. Não havia um dia no qual não pensava e se culpasse por não estar junto de sua família e ter partido com eles, mas ele sabia... sabia que alguém teria que sobrar para limpar a merda. Fazer o trabalho sujo e fazer algo a respeito. Este Grakmar não se ajoelhará aos pés da morte e do Estranho a implorar por seu fim. Este faria o trabalho do ceifador.  
Caminhara por King’s Landing a procura de um feixe de luz do sol para se esquentar. Estava em estado de miséria, mas longe de estar fraco. Comera na noite anterior uma refeição pesada para sustentar seu corpo durante todo o dia seguinte onde nada comeria para não voltar ao seu esôfago após as batalhas. Sentou à beira da sarjeta da baixada das pulgas e lá meditou sob o sol.  

[...] 

Era meio dia e as multidões se empurravam a caminho das paredes orientais de Red Keep, Luther abria caminho com Lancel com a espada de seu pai embainhada na cintura, dentre todas as outras armas foi a única que não furtara. Crianças duelavam com gravetos e espadas de madeiras, malabaristas ganhavam seus trocados debaixo do sol ardente, tortas quentes eram vendidas por um menino fofo e redondo que espetava a mão com uma pequena peixeira de quem tentasse roubar uma das suas mercadorias, rapazes que ainda não se tornaram vassalos treinavam, bebiam e vomitavam uns aos outros e tindo ao final. Thoros de Myr com sua lâmina de fogo atraía olhares dos espectadores ao duelar. Logo seria sua vez e estava confiante. Porém, vigiava ao longe a arena principal em busca de seu alvo. Não demorara muito para chegar. A temível flâmula de fundo amarelo com três cães negros como símbolo, a Casa Clegane.  
Luther sentiu o arrepio em forma de agulhadas percorrer toda a extensão de sua coluna vertebral. O estômago se contorcendo, o rosto tenso e a mão da espada empunhada. Escondia seu rosto dos demais com o capuz verde para que não lembrassem de si. Usaria sua ira como força para os duelos. Houve a primeira investida, a segunda e até então havia ganho. Thoros não havia perdido nenhuma batalha, estava ganhando de um homem após o outro. O próximo vinha de uma capa verde pálido e tecidos sobre o rosto. Usava duas espadas, uma de cada lado da cintura e botas escuras que iam até um pouco abaixo do joelho. Passou ao lado de Luther e quando se virou de costas podia-se ver algumas pequenas runas em suas costas, que para Luther e todos os outros nada lhes era familiar. Um mercenário o tentara atacar pelas costas, mas o de verde girou para a esquerda deixando o homem avançar direto se pondo atrás do mesmo e desembainhando as espadas. Uma cortara a mão do mercenário livrando-se da espada vagabunda que portava e a outra puxara-o perfurando a gola do gibão e a meia capa em seu ombro pondo a lâmina da primeira investida rente em sua garganta. Em um milésimo de segundos girou a espada estocando a ponta do punho entre seu pescoço e ombro atingindo um ponto com força que o fez desmaiar. Jogou o corpo longe.  
Caminhava cordialmente até Thoros em uma polida reverência que foi correspondida em respeito. O estranho posicionou-se para a investida girando as leves espadas duas vezes entre os dedos. Eram estreitas e longas, com o cabo em madeira clara, comprida e retorcida como se tivesse acabado de esculpir de um galho. Nada se via de seu rosto com a exceção dos olhos, grandes e escuros como ônix.  
Fora um duro e intrigante duelo, mas Thoros não vencera dessa vez. Depois de muito suor posto em jogo, golpes e contusões, ele havia perdido. - Foram bons golpes dados, rapaz. - Dissera com respeito e um pouco de humor em seus olhos. O ruivo parecia ser um bom homem, alguém para se ter por perto.  
Luther estava pronto para ser o próximo a lutar com o forasteiro, mas ouviram-se as vozes anunciando os combates a cavalo e o mar de pessoas se locomoveu prontamente. Ao ouvir que o Cão de Caça dos Lannisters jogara um chifre de ouro à multidão, a maioria dos homens e mulheres ali foram a loucura. “Os corvos vão em direção às carcaças.”  

Um salto no escuroOnde histórias criam vida. Descubra agora