Capítulo 2

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- Qual seu nome? - Me sobressalto quase caindo para trás. Uma moça loira e alta com um sorriso doce me encarava atrás de mim. Minha primeira reação é ter certeza de que ela fala comigo e não com outra pessoa, mas sua mão está no meu ombro, então de fato ela deve estar tentando se comunicar. Abro a boca mais nada sai. - Você é tão quietinha, quase não ouvi sua voz.

- Sou Clara - Escuto minha voz saiu quase como se fosse um sussurro, me pergunto se o microfone consegue captar meu medo. A moça sorri mais amplamente, percebo que quase com uma espécie de dó que faz revirar meu estômago vazio. Endireito minha postura e tento roubar a confiança das outras meninas que vi entrar. - Sou mais de observar antes de falar.

Ela solta uma risada que ainda combina com a cara de dó de antes, mas é mais reconfortante saber que consegui falar mais que algumas palavras. Eu estava na varanda da casa em pé enquanto acompanhava as pessoas tentando descobrir mais sobre as outras pessoas, percebo que aqui essa será a única atividade útil que teremos por um tempo. A moça dá a volta por mim e se senta na poltrona cinza ao meu lado. Não é pobre, percebo, pela maneira como anda, me lembra a Senhora Ester, com sua elegância, porém ainda com jeito de menina ao se sentar com as pernas entreabertas. Ela deve vir de família importante ou deve ser importante. Não que seja algo único aqui, pelo contrário, acho que ninguém aqui pegou um ônibus nos últimos seis meses, o que me faz querer encolher mais no lugar.

- Você não devia observar por muito tempo - Ela me aconselha encarando os meninos que parecem planejar algo no canto do muro ou talvez sussurrar com alguém do outro lado. - Aqui você precisa ser vista ou pode ir para o paredão.

Dou de ombros encostando as costas na parede da varanda, não estava muito no clima para tentar socializar, na verdade, quanto mais conhecia daquelas pessoas menos vontade de querer abrir a boca perto deles. Afinal eu estava no meio de médica, advogada,arquiteto, cantora e algumas outras profissões que eu só não sabia por medo de perguntar. Enquanto eu, o que eu sou? Alguém de 18 anos que nem casa tem mais.

- Não me importo - Eu disse e seus olhos castanhos mel se arregalaram ao olhar para mim. Parecia que tinha admitido participar de um crime.

- Nunca diga isso - Ela fala com a voz extremamente sombria para alguém que parecia ser tão serena como ela - Qualquer coisa aqui pode e irá se virar contra você.

- E o pior - Uma voz surge do jardim - Você não tem o direito de um advogado...

Dependendo do que seja talvez - A moça diz enquanto brinca com a outra mulher que apareceu na conversa, dela eu me lembro. Leandra, advogada. De longe a mais extrovertida das meninas, já brincou com todas e não tem problemas em conversar com ninguém, deve saber da história de vida de quase o elenco inteiro, o completo oposto de mim.

- Melissa, aqui quem nos julga é o tribunal da internet - Ela diz e faço questão de guardar o nome da moça loira para que não fuja mais do meu pequeno conhecimento dessas pessoas. - E eles não deixam você ter advogado, promotor ou coisa nenhuma, eles te julgam e decidem a sentença.

Aí credo, Lê - Melissa diz o que faz a morena cair na risada. Apesar de rir como criança agora, percebi que Leandra tinha mais um temor íntimo dela na frase do que uma piada.  provavelmente, deve ser por conta da carreira de advocacia que talvez entre em off devido ao programa. São escolhas . Penso em dizer para ela, mas deixo as duas conversarem, parecem que já são aliadas há muito tempo e não só pessoas que se conheceram a algumas horas atrás

Deixo que meus pés me guiem pelo resto da casa, onde acontecem conversas animadas. Cada cômodo possui sua peculiaridade, a sala parece ser uma selva, cheia de folhas e com macaquinho de esculturas. Em cima do sofá, quase no teto, tem uma espécie de prateleira onde algumas folhas verdes e marrons vindas de vasos de plantas caem, formando um cascata natural, é bonito mais me pergunto como deve ser para manter isso arrumado, se nós, os inscritos, devemos lavar o piso para manter limpo ou se será tarefa da produção, ou melhor dizendo, do universo. Não temos permissão de falar sobre os bastidores e a palavra produção, não deve existir no nosso vocabulário.

Passo para a cozinha que deixa de existir o clima tropical e entramos no que seria uma geleira, a Sibéria talvez, julgando pela palavra escrita na parede ao lado das neves de mentira, a decoração do lugar é toda com base em um lugar frio, o azul toma conta do espaço juntamente com o branco para formar formatos de gelo e neve que escorrem pela parede o balcão e até mesmo pela mesa giratória. Por algum motivo, não consigo tocar em nada, me detenho sempre que vejo minha mão no ar querendo mexer em alguma coisa, como se fosse errado e eu não tivesse autorização para isso.

Na casa dos Mouras eu era responsável, no início, por cuidar da casa, por fazer a limpeza geral, então eu precisava mexer, nas gavetas, dobradiças, batentes e outros cantos, sem medo, mas somente para limpar, quando não havia necessidade disso, meus dedos ficavam imóveis atrás das costas. E é exatamente o que faço agora, escondo minhas digitais de qualquer objeto com medo de que alguém grite me dizendo para ficar longe.

Um dos objetos de decoração me chamou atenção, era um homem pendurado embaixo da escada que dava para a parte de cima da casa. Um alpinista que parecia tentar escalar a escada por de trás, era tão real que quase pensei em ser uma pegadinha e a qualquer momento a pessoa gritar "bu" e sair correndo dali. Ele usava um uniforme vermelho e um capacete amarelo, não via muita felicidade no seu rosto, quase toquei nele, mas me afastei antes que pudesse fazer algo.

Só tinha um quarto para dormir, e nele não tinha camas suficientes para todo mundo, provavelmente teríamos que dormir no chão. O quarto era lindo, também tinha detalhes em azul e branco como a cozinha, com a diferença de que o azul era muito mais forte e o branco lembrava as nuvens no céu. De fato, quiseram passar essa imagem de céu, com anjinhos gorduchos pendurado no teto que deviam gargalhar da nossa cara. Me apaixonei pela decoração e fiz uma anotação mental de que faria um quarto parecido para mim caso saísse dali viva.

Tinha algumas meninas por lá, já estavam tirando sua roupa e pondo biquínis. Não tirando literalmente, apenas se contorcendo nas cobertas, improvisando algum tipo de privacidade. Pensei em quando teria que fazer algo desse tipo. Vai ser interessante. Me imaginei virando piada na internet por não conseguir trocar de roupa sem vazar alguma parte do meu corpo para as câmeras. Senti minha pele se contorcer com a exposição. Ugh.

 - E você?

Perdida em outra realidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora