16° Sonhos

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Acordo cansada e com uma leve dor de cabeça ainda martelando minhas têmporas. Essa foi uma das noites ruins. Acordei várias vezes com falta de ar, assombrada por rostos decompostos e repletos de larvas esbranquiçadas, sangue espirrando, latente. Tossi desesperada, conseguindo sentir os vermes se acomodando na minha garganta seca, subindo e descendo, se agarrando entre os dentes, mordiscando embaixo da língua. Naquele ritmo frenético e contínuo, devorando minha carne lentamente, agradecidos pelo banquete ainda pulsante. Eles pulavam dos meus olhos, manchados em escarlate vivo, borravam minha visão com seus corpinhos minúsculos e repugnantes, descendo pelo meu nariz avidamente, me causando ânsia.

Vomitei.

Atiro no chão o edredom pesado com raiva, expulsando as más lembranças. Mudo foco para os malditos feiticeiros, que marcaram uma reunião antes mesmo do amanhecer. Olho para Alisha, dormindo serenamente na outra cama, minha vontade é acorda-la, já que o sofrimento acompanhado às vezes é menos doloroso.

Olho para o banheiro pequeno, ainda sem decidir se tomo um banho, só de imaginar a água gelida escorrendo pelo meu corpo já me causa arrepios, escolho apenas mudar de roupa e encarar a banheira em outro momento. Faço um esforço colossal para me levantar, quase posso ouvir a cama se lamuriando com minha súbita ausência, seus braços de tecido felpudo se enroscando nas minhas pernas, me persuadindo a seu encontro macio e quente.

—Não, não, não. Nem vem, eu preciso ir, você sabe disso.—Cochicho para a cama de madeira, com a voz embargada pelo sono.

Olho para o relógio na parede, constato que acordei alguns minutos antes do que pretendia. Com isso, troco de roupa com calma, procurando não fazer barulho por causa de Alisha. Coitada, noite passada ela acordou desesperada comigo, anunciei que estava tudo certo, para ela voltar a dormir, mas como a conheço bem, sei que deve ter demorado bastante a pegar no sono.
Escolho roupas simples, uma blusa verde, bem desgastada, calças escuras e par de botas grossas. Simples e prático.
Abro a segunda parte do armário, com os olhos varrendo os diversos armamentos.

—Qual será a escolhida de hoje...ein, meus bebês?—Murmuro, ao segurar uma de minhas adagas favoritas, sua lâmina escura é grossa e ondulada, de um material leve, balanceando o peso da empunhadura ornamentada com arabescos, no pomo, uma pesada pedra azul foi encaixada, apesar do ar estético, ela também pode servir como um pequeno martelo, se for impulsionada da forma correta.

—Quer ir comigo?—Pergunto a adaga, ao gira-la no ar , sua única resposta foi o silêncio.

—Melhor não...que tal você?— Puxo a enorme e pesada estrela da manhã, ou maça, se preferir. Observo a protuberância esférica em sua ponta espinhosa, presa a uma longa corrente prateada. Na madeira, vejo um detalhe que passou despercebido quando a ganhei, uma frase entalhada: "Que seus inimigos caiam diante de ti, que a bravura derrote o medo, e quando houver escuridão, junte-se a ela. Um guerreiro de verdade nunca foge, independente das circunstâncias."

—Até que é um trecho bonitinho—Relato pensativa, ao por a arma no lugar, ainda indecisa.

—Quer saber, escolho vocês mesmo—Pego as adagas gêmeas, com seus dois gumes muito afiados, estou tão acostumada com seu peso que nem sinto a diferença ao segura-las, são como parte de mim.

Ainda adiantada, começo a ponderar se deveria voltar a dormir, já estou arrumada, nada poderia dar errado, não é mesmo? Me viro lentamente, apertando os olhos em direção a cama ainda bagunçada, ela me encara, com seu típico jeitinho de persuasão. Não pensando muito, me jogo nela, sinto o corpo quicar bem no centro amontoado de lençóis quentinhos, me deixo levar pela sensação reconfortante, algum tempo depois, caio nos braços gentis da inconsciência.

AscençãoOnde histórias criam vida. Descubra agora