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Como já adiantei anteriormente, comprei o ponto do antigo distribuidor que, a esta altura, mudara sua revistaria para um imóvel melhor localizado.
Não me sentia seguro em ter parte do meu negócio atrelado a ele, mesmo que nunca tenha feito algo para me prejudicar.

A loja foi reformada recebendo fachada nova toda revestida com madeira entalhada retratando os rodeios que marcavam a Festa do Peão de Boiadeiros, que teve sua primeira edição em 1956, portanto praticamente meio século.

Antes a cidade era uma pacata cidade que tinha na pecuária sua principal atividade econômica. Local de passagem "dos corredores boiadeiros" como eram conhecidas as vias que ligavam o transporte de gado de um estado para outro. Em 1913 instalou-se na cidade o Frigorífico Anglo, o maior da América Latina e propriedade da família real inglesa.

Por ser um ponto de encontro os peões aproveitavam esses momentos para demonstrar suas habilidades no trato com o gado e festanças sendo frequente a vinda de dançarinas de cabarés franceses para entreter fazendeiros e o pessoal do trato.

Com o tempo essa "confraternização" agregada ao sucesso da festa do boiadeiro passou a fazer tanto sucesso que passou a ser uma referência que extrapolou para muito além daquelas paragens, até os dias atuais.

Eu, querendo então fazer uma menção honrosa ao passado da festa me empolguei e a loja era um cenários dos filmes do faroeste espaguete, com cavalos desfilando, gado fugindo do laço e o peão lançando-se sobre eles.

Internamente, um ambiente rústico, tal como era nos velhos tempos, com bancos e poltronas de madeira, tapetes em couro de boi, chifres fixados nas paredes e a inclusão do que me era essencial, um bom acervo de livros e revistas de todas origens. O ponto se destacava na rua principal pela sua característica.

Entretanto, o investimento não implicou em grandes resultados e me vi frustrado fazendo aquela adequação visual e física.

Com o passar dos meses, alguns comentários começaram chegar até mim na surdina, e depois tomou proporções desastrosas quando o médico e prefeito, numa entrevista disse que na realidade o cidadão local não apreciava, e via com desprezo a alcunha que fez a cidade se tornar relevante no quesito "boiadeiro".

Depois disso, e com os resultados pífios, não tive outra opção salvo a de alugar os fundos da loja para meu vizinho que a utilizou para estoque de calçados. Bastou abrir uma passagem que permitia a integração da sua loja com esse novo espaço e um fechamento isolando o que era meu do dele.

Naquele momento de angústia, eu me pegava nas recordações corriqueiras dos tempos de faculdade, quando dizíamos que a cidade tinha uma mentalidade bovina, movida por valores menores, uma mente obtusa, que viviam na vaidade, egoísmo e o descaso pelos necessitados.

Nessa época, apenas a arrogância e a ignorância endinheirada, tinham vez. Tudo isso, escondido sob um chapéu tipo panamá, cinto largo com imensa fivela na cintura e nas patas botas em cromo com salto carrapeta, cuspindo uma retórica que desconhecia concordâncias verbais e modos grosseiros.

Já nos tempos mais presentes a antiga elite que no passado dominara, tinha esmaecido pois buscaram a região centro oeste, mais favorável às pastagens e à engorda, cria e recria de gado, sobrando para a cidade apenas a fama indesejada.

Naqueles meus dias de empregador, e mesmo apesar da rejeição e da pecha que sobrou aos nascidos e criados na cidade, os rodeios independentemente de suas vontades, evoluíram para um nível internacional, com a imensa demanda  de turistas.

Conclui-se que minha nobre intenção em homenagear a cidade teve efeito reverso foi o mesmo que dar bom dia a um cavalo, um coice.

MORRI AOS 54 ANOSOnde histórias criam vida. Descubra agora