Capítulo 3

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Acordou com o coração mais leve, dormiu bem após ter sentido a presença de Deus enquanto tocava. Abriu a janela do quarto. O dia estava
lindo, eram sete horas da manhã. Se arrumou para ir à Escola Dominical. Estava com o rosto radiante e foi tomar café cantarolando, sentia o amor do Pai envolvendo todo o seu ser.
⎯ Bom dia, mãe e pai. – disse  ao encontrá-los na sala. Pareciam estar prontos para dizer algo. Ela ficou alguns instantes parada disposta a ouvir. Mesmo a interação entre eles sendo delicada, ela buscava honrar seus pais e sabia que sua atitude não era em vão.
⎯ Hoje não é para ficar no ensaio, teremos compromisso. – disse Beatriz, com a voz baixa. Ela não olhou diretamente para Sofia enquanto falava, na sua cabeça lembrava-se de cada palavra de Lara. Ela não estava acostumada a aceitar conselhos. – Quando terminar a escola dos adultos, seu pai irá te chamar.
Sofia sibilou um “tudo bem”, subiu para guardar o instrumento tropeçando no próprio pé, hoje mais do que nunca gostaria de tocar.
Chegaram cedo à igreja, e ainda não havia ninguém na sala onde ocorreria a aula. Procurou um lugar bem ao fundo e ali se ajoelhou.
A aula começou e o tema, baseado em Salmos 46.1, a fez secar lágrimas sorrateiras. Ao terminar a aula, o professor Caio pediu para todos fazerem uma roda e para Sofia fazer a oração final. Ela não compreendia o agir de Deus, mas naquela oração o Espírito Santo a usou de uma forma sobrenatural. Jovens receberam respostas que já tinham desistido de buscar, consolo que jamais imaginavam encontrar, e ela... Bem, a jovem Sofia passava pela tempestade sem querer naufragar. Em seu barco, alguém dormia. Mas quando esse alguém acordar, o vento se calará e o mar se acalmará apenas com o seu falar.
Saiu da sala as pressas procurando seus pais, pois quanto mais rápido os encontrasse, menos problemas arrumaria. Foi até a porta, com os olhos apertados, como quem procura alguém no meio de uma multidão e acabou tropeçando numa cadeira de rodas.
⎯ Calma aí, irmã! – disse o cadeirante. Ele estava sério, deixando-a envergonhada pela falta de atenção e cuidado.
⎯ Danilo! Vai assustar a moça. – disse a mulher ao lado dele o repreendendo. Ela sorriu para Sofia. Ele caiu na gargalhada e sorriu também.
⎯ Mãe! Já disse, tenho que ser respeitável. disse ao olhar a mãe analisando a moça de cima a baixo. Sofia saiu do embaraço e cumprimentou os dois.
⎯ Desculpa o desastre estou procurando meus pais. Me chamo Sofia. Vocês são novos por aqui? – perguntou com curiosidade.
⎯ Prazer, Sofia. Sim, nos mudamos quarta-feira para esse lugar magnífico. – disse carregando ironia na voz.
Danilo parecia bem-humorado. Seus traços e sotaque revelavam que viera do Sul. Os cabelos quase dourados e os olhos, de um azul vivo, chamavam atenção.
⎯ Você está bem avoada em... – disse fingindo desconfiar de algo, o que a fez ficar vermelha.
⎯ Já fez alguém ficar sem graça hoje, sr. Danilo? – disse uma jovem muito parecida com ele, se não, idêntica.
⎯ Sofia, esta é meu eu com cabelos compridos, Cristina. – disse ao apresentar a irmã gêmea.
⎯ Oi, Sofia. – disse estendendo a mão para ela, que apertou com mais força do que desejava. Sentia uma adrenalina percorrer suas veias e parar em suas bochechas, deixando-a corada.
⎯ Tenho que ir. Prazer em conhecê-los. Sejam bem- vindos e qualquer coisa me procurem! – disse, indo ao encontro do pai, que estava entrando na igreja.
⎯ Graças a Deus que estou nesta cadeira, se não jamais ela teria tropeçado aos meus pés. – disse Danilo, suspirando. O comentário tirou um sorriso da mãe e da irmã, com facilidade. A vida para ele parecia de um colorido mais intenso do que para quem o rodeava. Ele conseguia apreciar as pequenas coisas e dar valor a simplicidade sem esforço.
Algo pairava no ar, não era uma sensação boa. Sofia queria ao menos perguntar o que se passava com a mãe e espantar os pensamentos ruins que tentavam tirar a paz que lhe fora proporcionada a menos de meia hora. Seu pai parou o carro em frente a casa dos Menezes, família de Eduardo. Seus pais desceram e ela sentiu as pernas travarem, sua mão não correspondia aos comandos do seu cérebro e tudo pareceu se desconectar por alguns segundos.
⎯ Sofia, desce deste carro! – disse  Beatriz,  impaciente, abrindo a porta do carro do lado em que a filha estava.
Ela desceu sem olhar para eles, ficaram aguardando alguém vir para abrir o portão. Abel, o pai de Eduardo foi quem os recebeu.
Por alguns minutos pensou que Eduardo não estava, mas ouviu o barulho do carro entrando na garagem logo que se sentou. Não saiu do sofá com seu celular em mãos, queria evitar ao máximo abrir a boca. No fundo, ela sabia que ele não era uma pessoa ruim, pelo contrário, era uma pessoa boa e um grande amigo, mas passando dessa linha a amizade estava correndo perigo. Não apenas a amizade deles, mas o seu relacionamento familiar.
⎯ Bom dia! – disse todo alegre. Ela respondeu sem a mesma alegria. – Que milagre você não está no ensaio.
⎯ Pois é. – disse forçando um sorrisinho. Não desejava ser grosseira, apenas esclarecer o que era evidente, seu sentimento não correspondia as expectativas dele.
Todos estavam no jardim do fundo. A casa dos Menezes certamente era muito luxuosa, os móveis de primeira linha, tudo muito bem planejado, conforme o sonho da mulher. Os pais de Eduardo batalharam muito para crescer na vida. Chegaram a passar fome quando o filho nasceu, mas as coisas mudaram, lentamente, mas mudaram. Seu pai ganhara a faculdade paga pela empresa e a mãe abriu a própria loja de roupas, com a ajuda de investidores. Ela sempre estivera envolvida com a costura, desde muito nova demonstrou interesse pela confecção, não imaginava o retorno que essa paixão a levaria.
Eduardo conseguira cursar biomedicina, em uma universidade federal, deixando os pais cheios de orgulho, já que todo o esforço que eles haviam feito para que o filho tivesse um bom futuro fora recompensado pelo seu temor a Deus e pelo homem que ele estava se tornando.
Sofia já não aguentava mais olhar o horário. Calculava o tempo que teria para passar os hinos que seriam tocados à noite, poderia tocar tranquilamente se fossem embora o mais rápido possível. Foi quando seu pai a chamou para irem, pois já estava tarde, ela quase não escondeu seu suspiro de alívio, porém Eduardo interveio.
⎯ Antes de se despedirem gostaria de dizer algo. – disse dirigindo seu olhar diretamente para a sua amada, ela jurava que desmaiaria. Os pais dele sorriram, pareciam cúmplices.
⎯ Durante o mês em que fiquei fora percebi o quanto Sofia é importante para mim. Talvez eu tenha perdido tempo, mas acho que esse é o tempo certo.

Ela é a mulher que eu quero chamar de esposa, é notória a nossa afinidade, o que me deixa mais seguro pela escolha.
“Cadê o ar???”. Gritava Sofia dentro de si, enquanto ele
abria o coração perante os pais.
⎯ Sofia, gostaria de ser minha namorada? – perguntou ao pegar em sua mão que estava fria e trêmula.

Apenas Sinta - DEGUSTAÇÃO ♡Onde histórias criam vida. Descubra agora