Uma goteira pingava em algum lugar por perto, o som da água batia no chão molhado fazendo barulho. Fazia alguns minutos que eu havia despertado e o cheiro acre do ambiente invadiu minhas narinas, o que geralmente não fazia eu me incomodar, entretanto as circunstâncias eram outras. Minha memória ainda não estava cem por cento, não lembrava de nada das últimas duas horas, aparentemente o sedativo funcionou como o planejado, o exemplo disso era o latejar na têmpora direita que me forçava a fechar os outros para aliviá-lo. O galpão estava imerso na escuridão, exceto por um holofote direcionado diretamente para mim, o que não era nada agradável somado à enxaqueca. A claridade ofuscava minha visão e a única coisa que eu conseguia distinguir era a silhueta do homem de rosto fino e nariz adunco parado na minha frente. Era um rosto que eu reconheceria até de olhos vendados.Bento Torres. Nossos caminhos se cruzaram há alguns anos, na época eu era uma estagiária inexperiente e curiosa e ele, digamos que já tinha sua devida fama e um vasto currículo nos arquivos da polícia. Tentava manter meus olhos abertos, não preciso nem dizer o quanto seria imprudente subestimar o meu velho conhecido ou sua capacidade de execução. Em seu perfil tinha sido como um amante das lâminas e de objetos pontiagudos, o que me surpreendeu era que houvesse um revólver em sua mão. Mudar o modus operandi não era comum, principalmente para assassinos que já possuem uma marca registrada há tantos anos. Não acreditava que ele iria desmerecer um momento tão singular quanto este.
— Variando? – perguntei inclinando o queixo na direção da arma. O desdém sobressaía a minha voz, o que não era nem de longe inteligente da minha parte.
— Você notou? – ele respondeu. A voz de Torres atingiu meus ouvidos e me fez estremecer. Ela era tão fria quanto seus olhos.
— Aplaudiria sua eficácia, se minhas mãos não estivessem amarradas. – tentei parecer entediada, mas a verdade é que o medo começava a se apoderar de mim. Sabia que minha voz poderia acabar me traindo se não me recompusesse.
Meus braços tinham cãibras pela posição incomoda na qual se encontravam. Ele havia me amarrado à uma cadeira de madeira no que acreditava ser o centro do galpão. Estava frio, era um lugar arejado e podia-se ouvir o farfalhar das árvores do lado de fora. Enquanto eu tentava identificar onde poderíamos estar, os dedos de Torres abriram o tambor da arma com destreza e habilidade, e ele olhou fixamente para as pequenas câmaras vazias em suas mãos. Meus olhos semiabertos se mantinham nele, quando me deu as costas e se afundou na escuridão. Forcei as cordas em meu pulso, mas o nó estava muito bem feito e o único resultado foi uma escoriação na região em que a pele se encontrava com a fibra sintética. Não demorou para que meu sequestrador retornasse com um único cartucho de munição na mão fazendo questão que eu o visse colocando aquele singular objeto em um dos cilindros do tambor antes de fechá-lo. Em um movimento ligeiro girou o compartimento dos projéteis fazendo a munição trocar de posição, eu sabia o que ele iria fazer antes mesmo de verbalizar sua ideia.
— Quero testar algo com você... – dizia ele enquanto caminhava na minha direção. — Veremos se tem sorte. – um sorriso malicioso se desenhou em seus lábios.
Forcei-me manter os olhos abertos o bastante conforme ele se aproximava, o formato de sua boca sorrido se assemelhava a um banho de água fria, eu conseguia ouvir meu coração batendo forte, mesmo fazer um extremo esforço para que Bento não notasse o quanto eu estava apavorada. Eu era capaz de ver vapor que saía de minhas narinas quando respirava, cada vez com menos intervalos.
— Sei que você é boa com enigmas, mas não tente trapacear. – eu o olhava pelos cantos dos olhos enquanto ele se colocava atrás da cadeira. — Qualquer pegadinha e... – ele fez um estalo com a língua me fazendo sobressaltar. — Estamos entendidos?
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Roleta Russa
Mystery / ThrillerIntegrante de uma equipe de elite da Polícia Internacional, a brasileira Valentina Prado se encontra na mira de um antigo criminoso. Para fugir dessa situação, ela vai precisar usar sua inteligência e controle emociconal para salvar sua própria vid...