Capítulo único

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Prólogo

— Você está bem, mocinha? — perguntou.

Ele me olhava de cima, por conta de sua altura. Mesmo que eu estivesse de pé, duvido que passaria da sua barriga. Eu tento de todas as formas, mas não me recordo muito de sua aparência. Ou do seu rosto. Ou de sua voz...

A única coisa que me marcou naquele encontro, foi a sensação de segurança que ele passava por simplesmente estar comigo. Seu casaco preto e comprido, quase um sobretudo, era rasgado nas pontas. Várias manchas o cobriam em um tom intenso de vermelho. Sangue de lobos. Talvez fossem demônios, dada a minha situação e quem me perseguia. A foice, qual ele apoiava nos ombros, refletia a luz alva da noite em sua lâmina. Era, de alguma forma, charmoso... Mesmo que eu não o visse assim na época.

Percebendo o meu medo, o rapaz não se aproximou. Deixou o peso da arma tombar, fincando-a no chão terroso da floresta. Ele se agachou com calma, até nossos olhos estarem quase na mesma altura...

— Q-Quem é você? — perguntei, a voz frágil e infantil quase se tornando um falsete.

— Ninguém importante... Apenas um cara que veio socorrer uma garotinha em apuros.

Eu engoli em seco, ainda com dúvidas se podia confiar mesmo nele.

— O-Obrigada por isso...

Ele parou por alguns instantes, olhando ao seu redor em silêncio. O medo em meu coração não me permitia acompanhá-lo, mas eu sabia muito bem o que nos cercava... Os corpos mortos das criaturas que tentaram me capturar.

Eu já devia estar acostumada com isso àquela altura. Quer dizer, filhas de bruxas aprendem a sacrificar bichinhos desde cedo. Mas, ainda assim, eu não queria vê-los...

— Você parece assustada, pequena bruxa. Por que fugiu de casa?

— M-Meu nome é Mari! E como você sabe que eu fugi...?

— Hum... Se eu contar o meu segredo, você conta o seu? — Não respondi de cara. Fitei-o, pensativa, mas o seu sorriso gentil me fez assentir. — Tudo bem, então. Bom, eu começo... Prazer, mocinha, eu sou um espírito.

— Um... Espírito? — falei, me afastando um pouco. — A mamãe disse que espíritos são maus e só as bruxas adultas podem falar com vocês...

— Não, eu não sou mau... Viu, eu te protegi. Mas, agora, é a sua vez. Por que você fugiu?

De novo, me peguei em silêncio, refletindo. No entanto, eu não tinha escapatória. Ele estava certo sobre me salvar, afinal.

— É que eu... Não quero ser uma bruxa...

O rapaz me olhou, surpreso.

— Interessante... Pensei que todas vocês quisessem isso desde pequenas.

— N-Não, eu não quero ter nada a ver com isso! — Com os olhos já marejados, encolhi a cabeça entre as pernas. Eu só queria que todo aquele lixo desaparecesse de uma vez.

Eu não precisava de um mundo quebrado como aquele.

Eu não queria uma família quebrada como a minha.

Eu só queria ser eu...

E, pela primeira vez, o garoto se aproximou de mim a ponto de nos tocarmos. Cuidadosamente, ele levou sua mão à minha cabeça e começou a mexer nos curtos fios do meu cabelo vermelho.

Meu rosto esquentou com a surpresa e, mesmo sem me recordar de sua voz, sei que a gentileza posta nela fez as minhas lágrimas cessarem.

— Não chore... E se nós fizermos um contrato?

Lua de sangue (Oneshot)Onde histórias criam vida. Descubra agora