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"Aconteça o que acontecer amanhã, ou para o resto da minha vida, agora estou feliz porque te amo."
– Filme Feitiço do Tempo.

•••

    Eu não queria me sujeitar aos sentimentos que me acometeriam ao ter que pedir desculpas a Azriel, mas o faria. Era o mínimo que devia a ele depois do que tinha feito. Mas antes eu precisava ir embora por um tempo, me afastar e pensar em tudo o que havia acontecido, porque se antes já me encontrava em um estado de caótica confusão, agora então tudo tinha piorado. O que eu descobri ao transar com Helion foi que eu era, sim, capaz de agradar um macho, que minhas cicatrizes não me tornavam menos mulher ou menos desejável. Infelizmente eu também descobri que nem mesmo um macho como o Quebrador de Feitiços seria suficiente para mim. Minha decisão de esperar por Azriel permanecia, bem como a certeza de que nenhuma outra pessoa no mundo — em qualquer mundo — serviria para mim novamente. Não era uma questão de prazer carnal, isso eu ainda poderia conseguir com qualquer um que soubesse o que fazer com uma fêmea entre quatro paredes, tudo dizia respeito à minha alma, que sentia em cada recôndito dela que somente Azriel era adequado para mim, física e emocionalmente. Eu poderia acabar me destruindo no processo, isso era certo, mas eu esperaria por ele, mesmo que, no fim, ele só precisasse de uma amiga para apoiá-lo. As palavras de Cassian ainda retumbavam em minha mente, ecoando sem parar. Vocês são aquelas canções, Valerie. Vocês são perfeitos um para o outro. E eu compreendia que éramos, sim. Não a pessoa que eu era meses atrás, antes de conhecer a Corte dos Sonhos, e também não quem Azriel era antes de me conhecer, mas quem éramos agora. O que tínhamos nos tornado após nos encontrarmos, essas pessoas eram perfeitas uma para a outra. Nos encaixávamos em cada cicatriz, cada marca deixada por nosso passado, feridas que ambos entendíamos tão bem. Eu via Azriel e ele me via igualmente, não o exterior que todos os outros enxergavam, mas o que se escondia por trás da camuflagem que mantínhamos de pé. Luz e Sombras, opostas de tantas maneiras e, ainda assim, semelhantes. Ambas serviam para esconder do mundo a verdade definitiva sobre nós dois: Éramos iguais. E perfeitos um para o outro. 
    Vaguei sem direção por muito tempo, horas, sobrevoando as colinas da Corte Noturna e, depois, atravessando até o território da Primaveril. Tamlin me informara — sim, ele havia falado diretamente a mim, como se apenas eu fosse digna de sua atenção — que gradativamente vinha conseguindo restabelecer sua guarda, nada comparado ao pequeno exército que ele possuía antes, mas aos poucos seu povo voltava a confiar nele. Não que ele fosse digno de tal confiança, mas achei que seria imprudente dizer isso ao macho que, aparentemente, estava tentando se reerguer após nossa visita tempos antes. Eu não gostava dele, de forma alguma, mas acreditava sim que todos mereciam uma segunda chance, ou terceira, ou até mesmo quarta. Se ele estava ou não disposto a mudar de verdade eu não sabia, e na realidade não me importava, mas saber que o povo daquela Corte teria novamente um líder era bom. Com Tamlin eu podia não me importar, mas com pessoas inocentes que tanto tinham sofrido na época da guerra, sim. 
    Se eu fosse ser sincera comigo mesma, admitiria que foi pensando nessas pessoas que tomei a decisão de entrar no território humano. Estava ali, tão perto, logo abaixo da Corte Primaveril, seria um desperdício perder a oportunidade de dar uma olhada no que as Rainhas andavam aprontando. Não que eu fosse conseguir ver alguma coisa, nem mesmo minha Percepção podia atravessar as densas proteções que guardavam os palácios daquelas mulheres, mas eu podia averiguar os arredores de seus mausoléus tão bem quanto os espiões de Azriel o fariam. O que vi me fez querer pegar meu primo e seu Mestre Espião pelos pescoços e arremessá-los em uma parede com toda a minha força. 
    O território humano estava em caos. Todo o contingente dos exércitos das Rainhas estava focado nos seis palácios, todos designados para proteger as mesmas e, claro, os seus muitos tesouros. O que deixava as ruas livres de policiamento, permitindo que os níveis de vandalismo e roubo chegassem aos céus. Encoberta pela magia, observei humanos com medo de sair de suas casas, medo de deixar que suas crianças se afastassem, medo de existir. E Rhys e Azriel sabiam disso, é claro que sabiam, desde o começo daquela guerra vinham mantendo uma vigilância constante sobre as terras mortais, mas tinham decidido me deixar no escuro daquela vez. O motivo era bastante óbvio para mim. Não era que eles não ligassem para o que estava acontecendo ali, apenas sabiam que eu não conseguiria ficar parada se tomasse conhecimento também. Eles provavelmente estavam planejando qual a melhor forma de proceder, mas até quando? Enquanto eles pensavam, aquelas pessoas sofriam. 
    O que eu fiz a seguir poderia ser considerado estupidez por meus amigos, mas era a única coisa que eu conseguia pensar em fazer. Eu já tinha visto gente demais sofrendo pelo descaso de seus governantes. Quando segui para o palácio no qual as Rainhas se escondiam, meu sangue fervia com o desejo de matar. 

Corte de Amor e SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora