DOZE

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A solidão começou a fazer parte dos meus dias. Cal é um completo ocupado com os seus treinamentos e sua rotina de príncipe herdeiro. Já Maven, ele vive sumido por aí. Não o vejo com muita frequência, mas também não sinto falta, apesar da estranha simpatia que tenho por ele. Deveria me preocupar; mas os irmãos Calore são os irmãos Calore. Não precisam de babá.

Fico surpresa quando não me irrito com mais uma aula chata de protocolo. Vendo a minha possível progressão no quesito ficar de boca fechada e sentar direito, Lady Blonos decidiu diminuir um pouco o gás das suas aulas. Se tornou até agradável de lidar. Somente do finalzinho, quando posso desfrutar dos segundos de paz com Lucas, o meu humor melhora, pois sei que Julian me espera em sua sala.

Diferente de muitos aqui, ele é o único professor que realmente quer me ensinar alguma coisa. O único que sabe a minha real identidade e, provavelmente, força. Contudo, acho meio impossível Julian saber. Nem eu mesma, com treze anos completos de convívio com estes poderes, sei de sua extensão e limites, quem dirá um professor que caiu de paraquedas na minha vida?

Mas eu também não duvido de nada. Julian é inteligente demais para deixar de captar alguma coisa.

Como é irônico pensar assim. A pessoa na qual eu mais confio é um prateado, chefe de uma Grande Casa extinta e tio materno do príncipe herdeiro de Norta. A antiga Ravenna jamais confiaria em alguém, muito menos em um homem poderoso como Julian — seja lá qual for o seu poder. Mas a Ravenna de agora está desesperada em busca de respostas, em busca da sua sobrevivência, se apoiando num homem que tem mil motivos para me odiar.

E aqui estou eu, indo direto para a sua sala. Direto para a toca do lobo.

— Acho que sei qual é o problema — Julian diz depois de um longo tempo processando.

Estou parada, com uma das mãos estendidas. Nada aconteceu ainda. Bufo alto de frustração. O bracelete de metal queima sobre minha pele. Mas não sinto nada, como o esperado. Uso o mesmo dispositivo que os príncipes. Aquele bracelete que aciona faíscas. Nós dois pensamos que esse seria o jeito mais fácil de controlar as minhas chamas e de me mascarar. Nunca estivemos tão enganados.

Toda vez que uma pequena chama débil paira na palma da minha mão, não consigo controlá-la por muito tempo. Ela sempre morre, o que eu estranho. Não é a primeira vez que uso os meus poderes. Algo está errado.

— Então me explique logo de uma vez. Estou ficando preocupada.

— Você é como uma criança — obrigada. — É assim que as crianças são no começo: não conseguem controlar seus poderes. Eles só se manifestam em situações de estresse ou medo, até a pessoa aprender a domar as emoções e usá-las em benefício próprio. Existe um gatilho, e você precisa encontrar o seu.

Faz sentido. Posso contar nos dedos a quantidade de vezes em que as minhas chamas se despertaram. Em todos esses momentos, meu interior estava um caos. Raiva, dor, tristeza, ansiedade... No Jardim Espiral, durante a Prova Real, aquela queda teria me matado. Eu fiquei com medo, mas também fiquei determinada. Determinada a viver e a mostrar para aquela gente que eles não são os reis do mundo. Depois, enquanto fugia dos sentinelas, meus nervos estavam à flor da pele; e para piorar tudo, aquela ameaça contra a vida de Cal foi o ápice do meu ódio. Eu só pensava em matá-lo e acabar de vez com a minha dor. Mas eu sei que aquilo apenas acarretaria na minha morte. No fim, não valeria a pena. Os prateados ainda governariam Norta, os vermelhos ainda seriam escravos esfarrapados e eu seria somente uma criminosa prestes a morrer de verdade.

— Vale a pena ao menos tentar — Julian diz com um tom meio desafiador.

Engulo em seco, receosa em continuar tentando. Julian me disse que as aulas dele nunca são monitoradas. Mas ainda sinto a pressão do desapontamento sobre as minha costas. Tenho que fazer dar certo, para o nosso bem.

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora