Em tudo que eu faço e vejo tento achar alguma forma de beleza, é um jeito de encarar o mundo e toda sua repugnância, sei que isso não é o ideal, eu deveria me conter com a realidade, deveria me conformar que as coisas estão desse jeito e ter o mínimo de esperança, esperança essa que por décadas esteve na cabeça de toda população de Cioba.
Cioba é uma cidadezinha no interior do Ceará com pouco menos de 2 mil habitantes, nasci aqui em 2006 em um dezembro quente. Meu pai costumava dizer que a quentura tingiu meus cabelos ruivos, mas puxei tudo da minha mãe Marina, cresci cercada de pessoas me dizendo o quão parecida eu era com ela, e devo admitir, éramos bem parecidas por fora, mas por dentro ela era uma rosa delicada e eu os espinhos cortantes. Lembro-me de toda sua gentileza e como as pessoas se apaixonavam por isso, o cheiro inconfundível de primavera, o olhar meigo, e da sua voz suave, ela sempre foi o oposto de mim, nunca tive muitos amigos por causa do meu jeito tímido, tenho cheiro de perfume barato, e minha voz me irrita as vezes. Bem, mesmo com nossas diferenças eu sentia uma ligação anormal com ela, era como se meu coração estivesse dividido desigualmente em dois, e a maior parte era dela, no dia em que ela morreu, senti como se eu estivesse flutuando, por um momento não sentia minhas pernas, pensei que eu iria morrer também, e teria sido melhor assim, viver com a culpa de não ter ajudado mais, de não tê-la salvado de si mesma me assombra todos os dias; Meu pai se conformou rápido com isso, depois da morte dela, ficamos bem mais distantes, sei que ele acha que eu vou enlouquecer igual a mamãe e acabar com uma bala alojada no crânio, mas o egoísmo é mais uma coisa que eu não herdei dela.
Agora, com 17 anos e um senso critico semelhante a de um asno, venho à única praça que essa cidade tem a oferecer, toda semana com um livro e mágoa diferente em mãos, ás 5 da manhã, duas horas antes de ir para a escola. Esse horário é perfeito já que não tem sequer uma alma viva na praça, ninguém pra dar bom dia ou cumprimentar com um sorriso falso, apenas leio e finjo que a realidade não existe, que eu não existo.
Mas foi ali, nessa mesma praça em uma segunda-feira chata e qualquer que eu ouvi "ele" pela primeira vez, estava esperando sol nascer sentada em um banco sujo, quando escutei uma voz grossa e áspera, cada frase me fazia sentir mais perto da voz, eu sabia que estava se aproximando de mim, não tentei correr nem me esconder, pensei de inicio ser um idoso passando por perto, mas com o passar dos dias, essa voz não me deixava em paz, o que antes era indecifrável começou a se tornar alto e claro, a voz me chamava, todo dia mais e mais perto do meu ouvido, e só o que eu conseguia pensar era "uau, meu pai estava certo esse tempo todo, a loucura é de família". Faz uma semana que à ouço, sempre no mesmo horário, no mesmo banco, falando as mesmas coisas: "Aria, venha me achar, me usar, me libertar".

VOCÊ ESTÁ LENDO
como eu te peço socorro
Horrortalvez tudo isso tenha um propósito, talvez tudo isso seja o karma, seja o que for, Aria está cansada de tudo isso, não, ela está exausta, mas o que seria "tudo isso" afinal? Tudo isso é o começo, o começo de uma dúvida, o começo da escuridão ond...