Antiquário (Capítulo único)

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   Se estiver esperando encontrar uma história que te faça sentir intensidade, tesão, e desejo pelo amor e pela poesia, você está no lugar certo.

Tá bom vai, vamos ser sinceros, não há nada de atrante na história de um velho escritor de romance fracassado em crise existencial.

Não me culpo por isso, mas como faço parte desse mundo, não tenho para onde fugir ou pelo menos esconder a cabeça.

Eu moro sozinho em uma casinha pequena, porém bem confortável.

Como minha falecida esposa era uma baita amante de flores, a casa é cercada delas.
Rosas, orquídeas, girassóis, botões-de-ouro. cuido delas todos os dias como se fossem parte da família, a ponto de conversar com elas.

Às vezes sinto tanta saudade de dela, da nossa mocidade que terminou, de acariciar suas mãos, seus cabelos, de conversar a madrugada inteira sobre existir, de ve-la dançar.

Mas acreditar que amores são eternos, talvez me fizesse perder a cabeça em dobro e a ausência de experiências prazerosas já vividas.

Passo a tarde inteira no meu porão, onde tenho uma biblioteca apenas para mim, muitos poetas, escritores clássicos como: Clarice Lispector, William Shakespeare e Edgar Allan Poe.

E sim os livros não existem mais, isso não era novidade para ninguém.

Me lembro de alguns anos atrás quando começaram a fechar as bancas de jornais por faltarem leitores.

Logo aconteceu com as bibliotecas.

Alguns escritores rasgaram ou desistiram de suas obras, outros se mataram por se sentir obrigado a largar seus amores.

Eu permaneci com minha biblioteca aberta e continuei escrevendo meus romances mas ninguém mais se importava com histórias e poesias.

Aos sábados e domingos, tiro todas as estantes de livros do porão, coloco na minha varanda, e deixo o portão aberto para que as pessoas possam ver.

Nunca perdi a esperança que ainda exista alguém que ame mergulhar nas fantasias, romances, dramas, poesias.

Algumas crianças entravam, olhavam a capa de livros como Moby Dick, Pequeno príncipe, Alice, e voltavam para seus universos solitários eletrônicos.

Tá eu sei que existem leituras em PDF e essas coisas, mas se todas as bibliotecas faliram e fecharam por faltar leitores, porque alguém abriria um livro minúsculo.

Houve um tempo que alguns escritores até levantaram protestos com cartazes, colocavam livros na porta dos moradores, e  sempre gritando "Salvem os livros" mas logo perceberam que estavam protestando contra si próprio.

a mídia pouco se importou em mostrar esses protestos ao mundo, além do mais, livros de física, matemática, química sempre foram o necessário, ninguém ligava para crianças que entraram em um guarda-roupa e conheceram sátiros e animais falantes ou para um jovem que se apaixonou por uma estrela.

Mas para os escritores, como eu, era nossa paixão, nossos sentimentos sendo esquecidos aos poucos.

Ontem eu peguei meu triciclo, sim, aquelas bicicletas de três rodas para velhos, nunca achei que um dia andaria em uma dessas, confesso que é bem confortável.

Iria comprar alguns remédios que eu precisava, mas vi o resto de esperança que me restava sendo carregada por pássaros.

Um pilha de livros de mais ou menos três metros estava sendo queimada, era como assistir corpos sendo torturados, e queimados vivos em praça pública.

Desse momento só consigo me lembrar de uma forte dor que senti no peito e fui obrigado a me jogar ao chão para alivia-la.

Acordei em um hospital, aqui da cidade mesmo.

É estranho você acordar num hospital e não ter ninguém te esperando com flores, docinhos, e essas coisas clichês.

Eu chorei sim, como uma criança.

Já fazem 26 anos desde o fim dos livros, juro que tentei, tentei de todas as formas, estou com 87 anos, desalmando aos poucos, e logo não estarei aqui mais para lutar por todos os escritores e eis minha ultima prece.

"Lutarei em todas as vidas pela arte, pelo amor, pelas histórias, pelo ócio. Enquanto houver uma estrela no céu, ele não deixará de ser céu"

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⏰ Última atualização: Apr 22 ⏰

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