I.

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O vento do sul cortava as negras montanhas no horizonte.

Não havia incidência de luz naquele lugar. O céu nublara-se para todo o sempre e as nuvens pareciam anunciar a chegada das chuvas a todo instante: mas não havia chuvas. Nada havia naquela terra esquecida pelos deuses. Tudo o que restara eram grãos de areia. Mares e mares, até perder de vista.

Ao longe, uma pequena silhueta magra. Encolhida. Diminuta. Revolvia-se como que atormentada pelo mais cruel dos pesadelos. Laura. Debatia-se violentamente até que por fim, proferiu no imenso vácuo ocupado apenas pelas grânulas rochosas um imensurável grito, oriundo do epicentro de suas entranhas.

Nada mais se ouviu desde então.

Os olhos de Laura abriram-se com certa dificuldade. A espessura de suas pálpebras lembravam-lhe o peso de carregadas cortinas a serem içadas. Sentiu o corpo estilhaçado. Pesava-lhe o torso esguio, doía-lhe o peito: havia ali a força de cem adagas enfiadas mais de uma vez. Formigavam-lhe todos os membros, músculos, órgãos... Tudo em si parecia causticá-la em demasia.

Acordara em um deserto. Não havia indícios de vida humana nem qualquer outra vida naquele lugar. Sentia a cabeça latejar e uma ânsia de vômito lhe embrulhava o estômago. Queimavam-lhe as faces assombrosamente e, enquanto levantava seu rosto para olhar em redor levara consigo pequenos grânulos do estranho solo a enfeitar-lhe a face esquerda. Estava deitada sob um mar de areia, não havia de ter dúvidas disto.

Pensava o porquê, em nome de Deus, acabara em um lugar como aquele.

Levantou-se lentamente, encontrando ainda alguma dificuldade. Estava aturdida com a cronologia dos fatos. Olhava em derredor em busca de algo para apoiar-se. Nada encontrou. A sua frente havia apenas o vasto mar de areia opaca em tons pastéis que contrasteava com o céu acima de si e, mais ao longe, grandes montanhas encobertas pelo cinza de variegadas nuvens a elidir o que restara da paisagem.

Caminhava em direção ao norte, desencorajada pelo marasmo atribuído a si pela atmosfera. Movia-se vagarosamente sentindo o peso de seu corpo a puxar-lhe para baixo. Em sua mente, resquícios de gritos, sons de sirenes e o barulho de um conglomerado de vozes que falavam em uníssono trovejavam, mas nada diziam. Estava confusa.


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Instantes haviam se passado desde que imergira daquele mar de areia, no entanto, aquilo pareciam-lhe horas. O martelar dos sons em sua cabeça nublavam-lhe os pensamentos e o peso de seu corpo acrescia a medida que vagava. Era toda feita de incógnitas naquele momento.

De súbito, tornara-se gelo: à sua frente, estendida sob o vasto solo arenoso avistara uma figura semelhante a sua á levantar-se custosamente. Sem proferir-lhe alguma palavra, ela deixou-se analisar pela criatura que punha-se a caminhar a seu encontro, espantada por ali constar o seu próprio reflexo ao vislumbrar o espelho.

Engoliu em seco. A moçoila estendida a sua frente apresentava-se exatamente como ela: usava um velho par de Converse All Star de cano médio que outrora fora preto, uma velha calça jeans estilo destroyed e uma camiseta já gasta de sua banda favorita: Mr. Robbot. Desenhado sob suas clavículas uma tênue linha dourada se mostrava, seguindo até o centro de seu peito onde um antigo relógio de bolso pendia a brilhar. Um presente de seu falecido pai.

Era a réplica mais que perfeita de si, ressaindo-se apenas o bom estado que aparentava, nada condizente consigo. A figura mantinha feições serenas enquanto caminhava, e por instantes, Laura notou em seus olhos um pequeno feixe luminoso que a fez estremecer por completo.

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