Dom Eduardo
Príncipe João nunca foi particularmente obediente ou conformista. Apesar de ser disciplinado na maior parte do tempo, ele não hesita em descumprir uma ordem quando acha que há uma alternativa melhor. Talvez essa seja uma boa característica para um Imperador, mas é improvável que o pequeno Príncipe chegue ao trono. Seu irmão mais velho está à sua frente na linha de sucessão.
O comboio segue seu trajeto junto ao Rio Vermelho, em cuja margem foram construídos a Cidade da Planície e o Castelo do Ninho. Já se passaram centenas de anos desde que o Castelo do Ninho foi tomado pela primeira e, até hoje, única vez. Este é outro motivo pelo qual o Imperador aceitou vir até o seu irmão para aceitar a sua rendição. Será a segunda vez na história que um Scliros terá tomado o Castelo do Ninho. O Imperador Jonas certamente será lembrado por toda a eternidade por este feito.
Já passa do meio-dia quando Dom Eduardo nota um maior número de acampamentos do exército Imperial espalhados ao longo da margem do rio. A visão dos soldados sentados em torno de fogueiras e andando de uma barraca à outra deixa o cavaleiro inquieto, fazendo-o lembrar de seus dias nos campos de batalha. O cerco ao Ninho já dura anos e tirou a vida de milhares de pessoas. Muitas das vítimas eram homens de Dom Eduardo, que morreram sob o seu comando.
No sentido contrário do comboio, um soldado cavalga na direção de Dom Eduardo.
- O Imperador pediu para avisar que já estamos chegando – ele diz ao se aproximar. – Nós já podemos ver o Ninho na dianteira.
- Obrigado, soldado.
- O Imperador também perguntou se o senhor e o Príncipe precisam de algo. – Ele olha para João, que retorna o olhar com uma expressão carrancuda, enrolado em seu manto.
- Não se preocupe – diz Dom Eduardo. – Não precisamos de nada neste momento.
- Entendido – ele responde, retornando para a dianteira do comboio.
João desenrola seu manto roxo com bordados dourados, as cores da Família Scliros. Ao afastar o manto, ele revela sua armadura roxa escura, praticamente negra, decorada com traçados em ouro. Em sua cintura está a Espada do Renascer, que há séculos tem sido empunhada por herdeiros dos Scliros.
Vestido em sua armadura, Príncipe João se parece ainda mais com seu pai. Ambos têm cabelos negros, que fazem questão de manter curtos, pele pálida e expressão séria. Mesmo com apenas onze anos de idade, o Príncipe tem olhar implacável e frio, como o de um senhor de idade que já viu de tudo na vida. Da mesma forma que todos os seus parentes, João tem os olhos dourados, característicos da Família Scliros.
O Imperador Jonas nunca disse expressamente, mas Dom Eduardo tem certeza que ele preferiria que João o sucedesse. O irmão mais velho do Príncipe, Fernando Scliros, gosta mais de livros do que de espadas, e frequentemente falta aos treinos no pátio de treinamento do Punho do Imperador, o castelo imperial. João, por outro lado, não falta um dia sequer. Mesmo quando está doente, ele dá um jeito de fugir de seu quarto e ir ao treino. E não há dúvidas quanto ao seu talento. Até as crianças mais velhas e adolescentes têm dificuldade de enfrentá-lo. A reputação do pequeno Príncipe entre os camponeses é de um futuro cavaleiro habilidoso e destemido. Sem dúvida, eles também gostariam que fosse ele o sucessor do trono.
- Olha, Dom Eduardo! – diz o Príncipe em um tom mais animado, com olhos arregalados – É o Ninho?
- Sim, é ele mesmo – o cavaleiro responde.
Mesmo quem nunca viu o Ninho, como o Príncipe, é capaz de reconhecê-lo imediatamente na primeira vez que o vê. Dom Eduardo nunca se esquecerá desta visão. O castelo tem esse nome justamente por se parecer com um ninho para aqueles que o avistam à distância. O Ninho é um castelo praticamente impenetrável, com diversos muros que se sobrepõem, um mais alto que o outro. Muitos dizem que o castelo é mais seguro do que o próprio Punho do Imperador.
Os diversos muros do Ninho protegem três torres que se projetam imponentemente sobre as fortificações do castelo, como se estivessem situadas no centro de um ninho de pedra gigante. Ao redor dos muros do Ninho, a Cidade da Planície se espalha por vários quilômetros.
- Vamos, Dom Eduardo! – João diz, galopando à frente do cavaleiro.
- Ei, espera! – Dom Eduardo diz, galopando atrás dele.
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Das Cinzas da Era Perdida
FantasiaUma traição põe fim à Guerra dos Dois Irmãos e arrasta o Império para um novo conflito. Novas alianças se formam na luta pelo poder, enquanto outros lutam pela sobrevivência em meio ao caos.