Capítulo 1 - Dom Eduardo - Parte 4

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Dom Eduardo

O cavaleiro e o jovem Príncipe voltam para o meio do comboio, onde haviam sido ordenados a permanecer. No caminho, Dom Eduardo pensa sobre a presença do Chefe do Conselho dos Barões na carruagem do Imperador. O que um comerciante estaria fazendo em uma ocasião onde serão discutidas questões do Império?

João carrega uma expressão de descontentamento que Dom Eduardo já conhece bem. Ele ficará horas comunicando-se apenas por meio de resmungos, grunhidos e bufos. O cavaleiro decide deixar o jovem Príncipe em paz. Não há nada que ele possa fazer para satisfazer os desejos do menino.

Antes de chegar no Ninho, o comboio atravessa a Cidade da Planície, a maior desta região, que é conhecida como Terra do Amanhã. A recepção do povo não é tão boa. Ao andar pelas ruas estreitas e sujas da cidade, os forasteiros são observados por homens e mulheres que se inclinam sobre os parapeitos de suas janelas nas precárias casas feitas de madeira e tijolo. Seus olhos fundos e maçãs do rosto protuberantes indicam que eles estão mal alimentados. Era de se esperar que essas pessoas encarassem o comboio Imperial com desconfiança. Eles aguentaram o pior da Guerra dos Dois Irmãos. O cerco ao Ninho já dura anos, e os soldados do Imperador Jonas costumam saquear a Cidade da Planície com frequência. Há alguns meses, quando o Ninho e o Império declararam trégua para negociar a paz, os saques cessaram, mas o povo certamente não se esqueceu deles.

As ruas estreitas e cheias de pessoas obrigam o comboio a perder a sua formação original, espremendo-se como um rato gordo tentando passar pela fresta de uma porta.

- Príncipe, fique na minha frente – Dom Eduardo diz, cauteloso quanto ao perigo da situação. – Não se afaste.

O Príncipe obedece ao comando, mas age como se não o tivesse ouvido. Sua cabeça gira para todas as direções, como se ele quisesse ver tudo ao seu redor e captar todos os detalhes ao mesmo tempo. Esta cidade não é tão grande quanto a Cidade do Punho, mas ainda assim é um lugar novo para ele.

Todo o tipo de gente anda pelas ruas da cidade, esbarrando-se, espremendo-se e resmungando reclamações sobre o largo comboio que força a sua passagem. Dom Eduardo vê soldados Imperiais, identificados pelo brasão da Família Scliros, que parecem adaptados à rotina do lugar. Alguns compram mercadorias em humildes comércios de rua e tendas, enquanto outros entram e saem de bares e casas de jogos. Outros, ainda, simplesmente conversam entre si e com cidadãos comuns. O cavaleiro também vê soldados dos exércitos rebeldes, que, apesar de não interagirem com os soldados Imperiais, não parecem se importar com a sua presença.

Ao se aproximar do Ninho, o comboio Imperial é recebido de forma mais pomposa. Embora o castelo esteja rodeado de barracas do exército Imperial, a área em frente ao portão principal foi liberada de qualquer obstáculo.

Mais de vinte Cavaleiros do Amanhã, como são conhecidos os nobres da Terra do Amanhã, alinham-se em frente ao portão do castelo, cada um acompanhado de um escudeiro e de um porta estandarte com brasões das famílias às quais servem.

Dom Eduardo não conhece todos brasões, mas reconhece alguns dos tempos em que lutou na Guerra dos Dois Irmãos. Ele identifica o javali em um campo verde, da Família Euge; o cachorro selvagem preto em um fundo vermelho, da Família Crude; e o falcão de olhos azuis da Família Pravus. Ao centro, ele vê a árvore centenária da Família Petros, e o touro da Família Baliol. E no meio deles...

- Isso só pode ser uma piada – diz Rosso, um dos comandantes do exército Imperial, aproximando-se de Dom Eduardo em seu cavalo. Rosso comanda o cerco sobre o Ninho e é velho conhecido de Dom Eduardo. Ele se juntou ao comboio no meio do caminho, há dois dias.

Rosso é um homem grande, com torso em forma de barril, braços largos e pescoço grosso. Uma imensa barba ruiva cobre grande parte do seu rosto e seu capacete quase esconde os seus olhos pálidos. Ele é um dos únicos cavaleiros que não usam uma armadura completa. Ele costuma dizer a Dom Eduardo que as armaduras apenas o deixam mais lento. Além disso, ele não gosta de ser chamado de "Dom", apesar de ter adquirido direito ao título quando foi elevado à posição de cavaleiro pelo Imperador.

– Aquele não é o brasão da Família Scliros – diz Rosso, irritado.

O brasão da Família Scliros, estampado no estandarte carregado na dianteira do comboio Imperial, assim como nos escudos, armaduras e mantos dos soldados, é uma serpente roxa e preta, com olhos amarelos, entrelaçada numa espada de lâmina negra. O brasão exibido entre os estandartes das Família Petros e Baliol expõe o mesmo símbolo, mas a cobra tem a cor verde.

- Por que eles pintaram a cobra dos Scliros de verde?

- É o verde da Família Petros – diz João, com desdém.

- Isso é um escárnio! – diz Rosso.

- Quieto! – diz Dom Eduardo. – Estamos aqui para fazer paz, não para iniciar uma nova guerra. Não importa a cor que Lorde Lucas pinte o seu brasão, contanto que ele nunca mais ponha os pés no Punho e não se rebele contra o Império.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora